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Certo Agora, Errado Antes | Crítica

Hong Sang-soo volta ao formato de díptico em um dos seus filmes mais dramatizados e acessíveis

17.05.2016, às 15H49.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Não são apenas as noites de bebedeira e os diretores de cinema apaixonados que se repetem nos filmes do sul-coreano Hong Sang-soo: a própria repetição se torna um personagem frequente, como já se viu anteriormente em longas como A Visitante Francesa, um dos únicos Hong a estrear em circuito comercial no Brasil.

Em Certo Agora, Errado Antes (Right Now, Wrong Then, 2015), o próprio título já antecipa que o roteiro é um dos também tradicionais dípticos do cineasta: acompanhamos Ham Cheon-soo, um cineasta que chega a Suwon para uma sessão de perguntas-e-respostas com a exibição de um dos seus filmes. Lá, durante a visita a um tempo, ele conhece Hee-jeong, ex-modelo e aspirante a pintora, e coloca seus poucos recursos (a fama, algumas frases de efeito) para conquistá-la.

Como o espectador descobrirá, o galanteio de Ham talvez não tenha dado muito certo, porque o filme depois repete todo o encontro, mas sob outro ponto de vista. Não convém aqui contar que perspectiva é essa, para não estregar a surpresa. O que dá pra dizer é que embora Hong mude sensivelmente alguns ângulos de câmera para fazer o encontro mais ou menos seco ou climático, as mudanças na segunda metade do filme dependem da primeira para fazer sentido - como em todo díptico que se preze.

Até aí não há muita novidade: desde a viagem bate-e-volta de Seul para uma cidade pequena até a passagem por templos budistas, situações nos filmes de Hong se repetem, às vezes com mínima variação. O que Certo Agora, Errado Antes tem de particular, antes de mais nada, é a fotografia. Sua adesão ao cinema digital há alguns anos contribuiu para que seus filmes, descomplicados em encenação, tivessem também uma estética chapada, desafetada. É assim em Hahaha (2010), por exemplo. Em trabalhos recentes, porém, como no excelente Our Sunhi (2013), cada vez mais a imagem digital se aproxima da granulação da película (como a tecnologia do digital de modo geral) e o resultado é que Certo Agora, Errado Antes é um dos filmes de Hong que mais chamam a atenção para sua composição de quadro e suas texturas.

Em cena, isso significa que os personagens em primeiro plano se "distanciam" mais do fundo embaçado. A maneira como Ham fica observando Hee-jeong na cena do jantar (ele um pouco mais afastado e ela mais rente à câmera) se torna mais dramática na fotografia, porque esse espaço que separa os dois, por menor que seja, é perceptível na imagem. De qualquer forma, a distância (ou a falta dela) que os tipos enamorados de Hong tomam entre si sempre foi um dos ingredientes mais irresistíveis de suas comédias românticas agridoces.

Se a fotografia acaba tornando Certo Agora, Errado Antes um filme com mais peso dramático - até na hora da ressaca ele parece mais tenso; é raro ver os personagens de Hong tão imprestáveis no dia seguinte - isso também se percebe na relação entre Hee-jeong e Ham. Não temos aqui um filme de várias formas de amar, mas uma história talvez até melodramática de encontro predestinado, em que algumas escolhas formais do diretor (como o zoom no rosto de Hee-jeong quando ela percebe o golpe de Ham na primeira parte, mais didático que os zooms normais de Hong) pontuam bem momentos morais. A atuação de Kim Min-hee no papel de Hee-jeong - carregada de gravidade e não tão naturalista quanto normalmente se vê nos filmes do cineasta - completa o pacote.

O resultado é que Certo Agora, Errado Antes, nesse saldo mais dramático que o normal, esteticamente agradável, e também mais acessível, pode servir bem como porta de entrada para quem começa a tomar contato com a obra de Hong Sang-soo. Não é preciso saber de todas essas repetições filme após filme para apreciá-lo, mas vale avisar que, uma vez pego, o espectador dificilmente se livra da vontade de conhecer sua prolífica cinematografia.

Nota do Crítico
Ótimo