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Crítica

Querido Evan Hansen é tão frágil quanto seu protagonista - e isso funciona

Musical da Broadway chega às telas com a difícil tarefa de traduzir sentimentos que o palco não precisa detalhar

11.11.2021, às 11H57.

Querido Evan Hansen é um musical da Broadway particularmente difícil de se traduzir em uma adaptação cinematográfica. A peça de 2015, escrita por Steven Levenson com músicas de Benj Pasek e Justin Paul, foca em um garoto de colegial com ansiedade, que escreve cartas para si mesmo e entra em um espiral de mentiras quando um dos bilhetes é encontrado no bolso de um colega que cometeu suicídio. O tema em si já é uma armadilha. Na Broadway, a história, que pretende ser tão inspiradora quanto responsável, não precisa ter todas as arestas tão refinadas. No filme, no entanto, tudo fica mais perto - literalmente - e por isso mais chamativo. 

Não é nenhuma surpresa, portanto, que a adaptação que chega agora aos cinemas venha cheio de problemas, diversos dos quais saltam aos olhos. A decisão de escalar o mesmo protagonista do palco, Ben Platt, foi amplamente criticada desde o primeiro trailer, pela idade do intérprete. As escolhas musicais, que cortaram quase todas as canções que não sejam solo de Hansen, também foram alvo de debate. E por fim, Querido Evan Hansen toma a decisão sempre controversa de mudar o rumo final da história. Todas estas críticas fazem sentido no discurso de quem é fã do original - ou quem, não sei, é rígido quando se trata de faixa etária de personagem. Mas o resultado final da adaptação é um filme vulnerável, frágil e cheio de elementos que contribuem para a própria energia da história. 

Não há como trazer o palco para o cinema. Por isso, nas adaptações de musicais, é sempre visível quando um diretor sabe tirar proveito do recurso que tem, e Stephen Chbosky faz um trabalho admirável ao traduzir sentimento na filmagem e na edição. Desde o número de abertura, “Weaving Through a Window”, a captura da ansiedade do protagonista ao chegar na escola e o clima de claustrofobia do primeiro dia de aula são construídos de modo tocante. Ao revisitar a mesma cena, mais tarde, do ponto de vista de Alana (Amandla Stenberg) na faixa “The Anonymous Ones”, Chbosky aproveita a fotografia para criar solidão, refletindo a depressão da personagem. São escolhas simples, mas que ressaltam a ambientação da história. 

É compreensível que o longa tenha decidido se limitar aos números solos de Platt. Querido Evan Hansen se entende como um musical peculiar, um que quer fazer chorar mais do que divertir, e colocar números musicais no meio de um colégio não faria tanto sentido em uma trama tão contida. É uma pena. O melhor ato do filme é “Sincerely, Me”, a única música que traz coreografia, encanto, e - honestamente? - divertimento na tela. O intéprete de Connor (Colton Ryan), o garoto que cometeu suicídio, é o membro do elenco que mais parece se divertir com o seu papel, e vê-lo é um respiro no meio de tanta melancolia. Mas é difícil culpar uma decisão artística clara, intencional, que funciona para o clima. 

Antes de defender a escolha de Platt no papel central, de um garoto de 17 anos, é preciso ressaltar que Evan Hansen é um garoto aprendendo a interagir com pessoas. Um estudante completamente deslocado de sua escola, que sente ser deixado para trás em sua própria família, que sofre de um alto nível de ansiedade, que não sabe, simplesmente, agir naturalmente. É peculiar que Platt tenha decidido manter os maneirismos da Broadway - alguns dos quais ficam sim contrastantes na tela -, mas atacar o intérprete por sua idade é realmente questionável tanto pela personalidade de Hansen quanto pela simples necessidade de suspensão de descrença. 

Platt se destaca no contexto do colegial, mas até isso funciona para a atmosfera do filme. Para um personagem tão sozinho, vê-lo se sobressair em seu contexto amplia seu isolamento, e é claro que o filme tirou proveito disso. Esperar que o ator do protagonista tenha a exata idade do personagem (Platt tinha 10 anos a mais quando começou a filmar) é de uma exigência que parece esquecer que estamos vendo um musical, onde pessoas cantam durante o jantar, e personagens embalam canções no meio de conversa. 

Já em sua reta final, quando Querido Evan Hansen se torna definitivamente mais arrastado (só o número musical de Julianne Moore parece tomar 20 minutos para acabar), fica claro que o filme tem uma dificuldade de desenrolar todas as ações de Evan. Este é um garoto que mentiu para uma família que perdeu o filho, que fingiu ser quem não é, que viralizou com um discurso baseado em mentiras. É realmente difícil redimir Evan. O filme faz o que pode, e felizmente não precisamos segui-lo. Perdoar Evan ou não pode ser sua escolha, e o filme não o recompensa com nada mais do que a resolução de seus próprios conflitos. 

Querido Evan Hansen é um filme complicado, mas um que soube construir sua fragilidade de modo proveitoso e, apesar de seus problemas, tem total consciência de suas decisões. É difícil acusar um filme que tem boas intenções tão claras. Sua delicadeza, tão harmônica com a personalidade de Hansen, pode não ter funcionado para os fãs do original, mas pode muito bem agradar quem veio para ser comovido pela história.  

Nota do Crítico
Bom