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Crítica

Pronto para Recomeçar | Crítica

Will Ferrell protagoniza o filme do estreante Dan Rush

10.11.2011, às 20H02.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H30

Na tradição hindu, Shiva é aquele que, dançando, destrói o antigo para construir o novo. A eliminação do presente é o que torna possível a transformação da realidade, a criação de um novo começo. Essa é a premissa de Pronto para Recomeçar, adaptação do diretor estreante Dan Rush para um conto do escritor Raymond Carver. Contudo, o necessário momento de catarse, a dança de Shiva, nunca chega propriamente a acontecer para Nick Halsey (personagem vivido por Will Ferrell).

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Rush diz ter escolhido o conto de Carver, "Why don't you Dance?", justamente por essa espécie de catarse intermitente do personagem. Já no começo do filme, com os compassos do blues elétrico de John Lee Hooker misturados a Halsey falando em off sobre suas regras do sucesso,  temos o que poderia ser o princípio da transformação que não se concretiza. Nick, então vice-presidente de vendas de uma grande empresa, é demitido. Um funcionário bem mais jovem expõe uma lista de falhas cometidas por conta do alcoolismo e entrega a ele uma caixinha; um presente por todos os anos de bons serviços prestados. A recompensa acaba no pneu do chefe e Halsey parte para o mercadinho em busca de algumas latas de cerveja. Quando chega em casa, descobre todos os objetos da sua bem-sucedida vida espalhados no jardim. Sua mulher trocou as fechaduras, o código do alarme, bloqueou sua conta e seus cartões. Ele está em meio a destruição de tudo o que construiu, mas senta-se em uma poltrona e abre uma das cervejas.

Ao contrário do personagem original de Carver, Halsey não está preparado para "deixar tudo ir embora" (o Everything Must Go do título original, retirado de uma das falas do conto). Seus pertences são os signos do seu sucesso: o grill George Foreman, as espadas japonesas fabricadas na China, a bola de beisebol assinada por todo time do New York Yankees de 1978. Para ajudar o personagem no processo de desapego, o diretor/roteirista constrói uma série de personagens secundários, aparentemente profundos, mas sem muita consistência. A vizinha grávida (Rebecca Hall), o garoto solitário que quer jogar beisebol (Christopher Jordan Wallace), a ex-colega de escola (Laura Dern), o vizinho inconveniente (Stephen Root), o padrinho do A.A. (Michael Peña): todos têm suas imperfeições e atitudes a serviço exclusivo da transformação de Nick, que é representada no filme pela grande "venda de garagem" dos seus bens.

O roteiro de Dan Rush acaba pequeno diante do mote do conto de Carver. É somente pela coleção de discos do pai - um velho DJ de rádio e fonte dos problemas com álcool de Nick  - é que o roteiro acerta o tom de momentos importantes. A velha caixa do pai que "tocava de tudo", antes ofuscada por troféus de  beisebol  e livros de venda e autoajuda, se tranforma na consciência do personagem. Do John Lee Hooker do início, passando por Odetta cantando Baby I'm in The Mood For You, e chegando até a The Band tocando I Shall Be Released (ambas composições de Bob Dylan) - todas as canções da trilha parecem expressar aquilo que Halsen é incapaz de dizer.

Will Ferrell, que foge neste filme do seu lugar-comum - assim como o fez em Mais Estranho que a Ficção - se ajusta bem ao personagem, tornando simpático o que antes seria apenas um alcoólatra de atitudes moralmente reprovavéis. Qualidade essencial para que, mesmo que a catarse não ocorra propriamente, torçamos pelo recomeço de Nick. Como a ex-colega de escola diz, ele tem "um bom coração". Seus gostos e suas vontades (como ter filhos, por exemplo) foram se perdendo com a vida, aprisionados pelo "sucesso" e por todas as  coisas espalhadas no quintal. Pronto para Recomeçar acaba sendo então um filme de desapego, de "deixar tudo ir" pela possibilidade de um recomeço.

Pronto Para Recomeçar | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Bom