Assim como nossos anseios coletivos por mudança no país quase sempre seguem mais impulsos de indignação do que um raciocínio consequente, o cinema nacional pautado pela inquietação tem se especializado nos últimos anos em diagnosticar um mal-estar que nem sempre diz seu nome, embora se manifeste em todo tipo de relação que mantemos com o mundo.
No caso de Permanência (2014), filme de estreia do diretor Leonardo Lacca em longas-metragens, a marca da produtora CinemaScópio de Kléber Mendonça Filho nos créditos iniciais talvez já sugira uma pré-disposição ao desconforto; ao contrário do O Som ao Redor de KMF, porém, Permanência tem uma ambição bem mais modesta de registro social, embora os sintomas de mal-estar que perceba diante de si sejam universais.
Acompanhamos os poucos dias do fotógrafo pernambucano Ivo (Irandhir Santos) em São Paulo, em visita à cidade para prestigiar a abertura da sua primeira exposição individual. Ivo se hospeda na casa de uma antiga namorada, Rita (Rita Carelli), e o atrito velado com o marido de Rita nesse triângulo amoroso feito de reminiscências serve não apenas de norte para a dramaturgia no filme mas principalmente para irradiar o senso de incompletude que dá peso a Permanência.
É como se Lacca partisse do particular para chegar ao geral - um processo que, inteligentemente, ajuda seu filme a dar forma ao mal-estar e lidar com questões de afeto sem patinar em um discurso sobre inadequação que poderia atirar para todos os lados. Essa disposição de trabalhar com um drama muito concreto, embora não-dito (Ivo ama Rita e a procura em outras mulheres), então permite que Permanência entre em pirações metafísicas como a destruição do homem na máquina e pela máquina (todas as oposições que o filme faz reiteradamente entre orgânico e digital, entre o espontâneo e o automatizado).
Assim como Ivo - que no drama de abrir sua primeira mostra teme não encontrar um resumo justo de si - Leonardo Lacca concentra também seus esforços em reunir imagens-sínteses que sirvam a construir uma visão de mundo e não se percam simplesmente em sacadas efêmeras de cinema de simbolismos. Ademais, o desafio de achar uma síntese, qualquer que seja, que nos defina diante das pessoas (um desafio que o mundo nos cobra a todo momento) talvez esteja intimamente ligada a esse tal mal-estar.