Nos 11 anos que esteve preso, Henri Carrière nunca passou um dia sem pensar em escapar. A narrativa das suas muitas tentativas, e o seu eventual sucesso, se tornou célebre na França depois da sua publicação de Papillon e ganhou Hollywood no filme de 1973 estrelado por Steve McQueen e Dustin Hoffman. Agora, o diretor Michael Noer e o roteirista Aaron Guzikowski buscam recontar essa história em toda a sua glória, e também dor.
Com esse objetivo em mente fica difícil entender a decisão fazer isso mais uma vez pelos olhos de Hollywood. No lugar de McQueen, o francês Carriène é interpretado agora por Charlie Hunnam, enquanto o papel do seu parceiro igualmente francês Louis Dega troca Hoffman por Rami Malek. Toda ideia de legitimidade buscada pela nova versão se perde com o inglês americano que sai da boca de todos os personagens.
Uma falha que também se vê está na degradação dentro das terríveis prisões da Guiana Francesa. É um sofrimento que aparece entre cenas, mas não se acumula ao longo dos dez anos que abrigam a história. Quando ganha a suas marcas, o já caricato personagem de Malek está fantasiado, não destruído por aquela vida.
Hunnam e Malek, contudo, têm uma boa sintonia em cena. A amizade que constroem por sobrevivência garante o tom aventuresco que faz do filme um bom entretenimento, ainda que se estenda mais do que o necessário. Noer capta bem a desolação de Carrière na solitária, o desespero de estar na escuridão e a alegria simples de ganhar a metade de um coco quando não se tem nada. Em contraste, mostra o alcance da liberdade com paisagens que tomam a tela. É uma relação que garante a torcida pela fuga dos prisioneiros, não importa quantas tentativas sejam necessárias.
Um filme pipoca atualizado, o novo Papillon poderia ter investido na verdadeira história de Charrière, o que incluiria questioná-lo, já que supostamente grande parte das suas histórias foi “roubada” de outros prisioneiros. Ao optar pela versão romântica, seu erro é tentar ainda assim comprovar o “baseado em uma história real” do início. É uma indecisão que deixa o longa no meio do caminho, sem liberdade para se tornar memorável.