Ainda que os vampiros estejam saturados na cultura pop, é sempre interessante ver o que um diretor do qual não se esperaria um filme do gênero faz com tais criaturas. Em Only Lovers Left Alive (2013), o cultuado Jim Jarmusch testa sua mão com o mito dos mortos-vivos sedentos de sangue.
Only Lovers Left Alive
Only Lovers Left Alive
De cara, o cineasta acerta no elenco. Não dá pra ficar melhor que Tom Hiddleston e Tilda Swinton como Adão e Eva, os vampiros originais. Ao seu lado, John Hurt, Mia Wasikowska, Anton Yelchin e Jeffrey Wright.
O filme acompanha a existência solitária do casal de vampiros que, separado por um oceano, limita-se a esconder sua existência das pessoas, desfrutar da arte humana e trocar juras de amor infinito pela internet.
Jarmusch, que também roteirizou o filme, tem uma visão curiosa sobre os imortais, mais focada em entender o que aconteceria com pessoas que realmente vivessem tanto tempo - e tivessem conhecido algumas das maiores mentes da humanidade. Fica de lado todo o suspense inerente aos vampiros, que é substituído pelo fascínio com a ideia de que tais seres ancestrais talvez conheçam todas as línguas, todas as culturas e sejam versados - e podem ter influenciado e sido influenciados todas as artes.
O ideal romântico e intelectualizado do vampiro de Jarmusch é inspirador - mas suas criaturas não escapam do mesmo destino conhecido de outras já vistas no cinema: são melancólicas e soturnas, vivem famintas (ainda que racionem sangue em tempos de comida maculada por doenças) e sentem falta dos bons tempos da Idade Média, quando era tranquilo esconder os corpos devorados, algo que foram obrigados a deixar de lado no século 21.
A atmosfera criada pelo cineasta é favorecida pela música e a fotografia escura, inspirada em Caravaggio. Curiosamente, o filme lembra muito em temática também a obra em quadrinhos de Neil Gaiman, especificamente Sandman, com Hiddleston com visual de roqueiro pálido e lânguido, desinteressado pela humanidade, que chama de "zumbis" e culpa pela feiúra do mundo. As citações aos inventos de Tesla e desdém pelas nossas instalações elétricas dão um charme especial ao personagem.
Adão e Eva, ao final, parecem uma espécie de zeladores da criação artística humana, discutindo artistas e vagando metaforicamente pelas ruas vazias de Detroit, cidade esvaziada pelo colapso econômico, hoje a mais violenta dos EUA. Quando tudo terminar, os dois primeiros também serão os que apagarão as luzes.