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Na primeira cena do filme, bois caminham na neve profunda de uma comunidade agrária no Japão. Na segunda, um padre lê a Bíblia em latim, enquanto é masturbado por um garoto.
Assim é O Sussurro dos Deuses (Gerumaniumu no yoru, 2005), drama de contrastes do diretor estreante Tatsushi Ômori, que mantém essa atmosfera opressiva durante toda a duração da obra.
O jovem de feições cerradas é Rou (Hirofumi Arai, em interpretação competente e corajosa), um assassino e delinqüente juvenil refugiado na fazenda católica em que cresceu. Quando não presta favores sexuais ao padre Komiya (Renji Ishibashi), ajuda nas tarefas comuns ao campo, como limpar esterco de galinhas e alimentar os porcos.
Também um seminário, a fazenda abriga a bela jovem Kyoko (Megumi Sawara), aspirante a freira que desdenha seus votos; a Irmã Teresa (Leona Hirota), freira em conflito com seus desejos pecaminosos; um chefe de escoteiros degenerado (Genta Dairaku); e o Padre Togawa (Kei Sato), que parece ser a única alma contida do local.
O lento ritmo do filme imposto pelo diretor pede ao público a contemplação - seja ela de belíssimas tomadas externas com a paisagem rural japonesa, ou de escatologias, sexo, violência ou bestialidade. A fotografia de Ryo Otsuka capta todas com igual interesse e sem disfarces.
Mas o que parecia culminar numa grande discussão sobre a moral e um ensaio sobre a violência juvenil tem pouco a dizer. Ou melhor, tem pouco a impôr. A culpa cristã não tem espaço no gelado seminário e dessa forma não há heróis e vilões no filme. Rou é exemplo máximo disso e um personagem excepcionalmente bem trabalhado. Na melhor seqüência do filme, confessa um pecado que ainda não cometeu, obtendo uma "carta de crédito" divina para prosseguir. Como julgá-lo por isso? Ao empregar seu livre-arbítrio, Rou vence Deus. E não é isso o que queremos todos?