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O Passado | Crítica

Asghar Farhadi cria mistério para desvendar relacionamentos

17.10.2014, às 14H07.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 08H13

Como a união não gerou frutos, o processo de separação diz respeito apenas a vocês”, diz o juiz antes de encerrar rápida e definitivamente o casamento entre o iraniano Ahmad (Ali Mosaffa) e a francesa Marie (Bérénice Bejo).

o passado

o passado

Em O Passado, o diretor Asghar Farhadi retoma a a temática de A Separação para calcular o peso dos filhos nos relacionamentos amorosos e as consequências dos desenlaces para os rebentos. O título, portanto, remete não apenas ao mistério que permeia a trama - a causa da tentativa de suicídio da mulher de Samir (Tahar Rahim), o novo pretendente de Marie - como a esse sólido elo entre casais. O menino Fouad (Elyes Aguis), por exemplo, une Samir a sua esposa em coma, enquanto o filho que Marie espera é o que justifica os planos de um novo casamento.

A relação entre Ahmad e Marie, mesmo que não tenha gerado frutos aos olhos da lei, também se mantém pela ligação do iraniano com as filhas do primeiro casamento dela. Quatro anos se passaram desde que ele retornou a Teerã, mas sua visita a Paris, mesmo que para finalizar o divórcio, retoma uma sensação de estabilidade que as meninas não encontram na mãe. Às vésperas do seu terceiro casamento, Marie é uma típica “mulher louca” - emocionalmente dependente, ora racional, ora histérica, salva do estereótipo pela bela atuação de Bejo.

Com diálogos longos, constrangidos e desencontrados, Farhadi mostra perfeitamente o quão complicadas são essas relações disfuncionais entre esposas/ex-esposas, maridos/ex-maridos, mães/ pais, madrastas/padrastos e, entre eles, os filhos. Relacionamentos não são feitos de mocinhos e vilões, mesmo que Lucie (Pauline Burlet), a menina mais velha de Marie, veja Ahmad e Samir dessa forma. A visão ingênua da adolescente, que cria o mistério em torno do quase suicídio da mãe de Fouad, surge da exclusão dos filhos como fator ativo na conta do casal. As crianças ficam de fora da discussão, ganhando eufemismos ao invés de explicações, o que abre caminho para novos conflitos.

Ao final, Farhadi mostra que as divergências não se originam apenas em desencontros amorosos/familiares, mas na falta de auto sinceridade. Ahmad se torna o elemento racional da trama por ser o único a admitir e falar abertamente sobre suas falhas; Marie centraliza a culpa por tantas relações desajustadas pois não admite suas intenções em relação aos homens em sua vida e exclui as filhas das suas decisões. Para manter e criar qualquer relacionamento, conclui O Passado, é preciso antes estar consciente de si mesmo.

O Passado | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ótimo