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Crítica

O Grande Mestre | Crítica

Wong Kar Wai volta às artes marciais em mais um filme de memórias e reencontros

17.04.2014, às 01H08.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 15H17

"Não é porque você não o vê que algo deixa de existir", diz o pai para a sua filha quando a leva em um bordel onde se reúnem mestres de artes marciais em O Grande Mestre. Coisas que já não se veem mas que persistem à nossa frente, como reminiscências, são recorrentes nos filmes do cineasta chinês Wong Kar Wai (2046), e não é diferente neste seu retorno às artes marciais, quase 20 anos depois do seu único filme no gênero, Cinzas do Passado, de 1994.

o grande mestre

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É mais um filme de época, como também é comum com Kar Wai, o que lhe permite evocar - por meio da história de Ip Man (1893-1972), o lendário mestre de Wing Chun que foi o mentor de Bruce Lee - memórias pessoais (imagens de infância, a câmera frequentemente em torcicolo ou entrando por frestas, como uma criança alcançando com o olhar o mundo dos adultos) e fantasmas culturais (de novo a cisão entre China e Hong Kong, Norte e Sul, relação que nos filmes do diretor se traduz em amores inviáveis e eternos reencontros).

Os reencontros em O Grande Mestre têm como pano de fundo os últimos anos da República antes da Segunda Guerra Mundial e da invasão japonesa, e a consequente guerra civil. Ip Man (interpretado por Tony Leung) dissemina o Wing Chun enquanto seu caminho se cruza com outras escolas e famílias do kung fu. Kar Wai passou dois anos montando o filme para cortar material e chegar à duração final de duas horas; nesse processo algumas subtramas parecem incompletas, como a de "Razor" (Chang Chen), e O Grande Mestre termina sendo mais um painel que tende a se ampliar do que uma biografia em linha reta.

É em traçar painéis que Kar Wai se especializa, de qualquer forma, e o roteiro deste filme adota um recurso mais "literário" - os personagens falam em off frequentemente e parte das viradas na trama é explicada em cartelas - para tentar firmar imagens que não sejam narrativas e sim evocativas. É como se O Grande Mestre transcorresse como uma história oral - que como toda história oral tende ao efêmero, a perder o foco, a se diluir - em que o valor está no testemunho. Estar presente na fotografia oficial do clã, ou assistir ao vivo a uma demonstração de kung fu, são em si as verdadeiras lembranças dignas de serem contadas.

O cineasta faz assim uma bela - e estilizada, e de Kar Wai não se esperaria outra coisa - homenagem não apenas a Ip Man mas ao gênero como um todo, naquilo que o filme de artes marciais tem de essencial, que é a plasticidade do movimento. O Grande Mestre é um filme obcecado por registrar e eternizar no instante esses movimentos, os golpes e seus efeitos. Como uma fotografia mesmo, que já se torna sépia no momento seguinte, mas vai permanecer colorida, barroca, na memória de quem a testemunhou.

O Grande Mestre | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ótimo