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O Garoto de Bicicleta | Crítica

Verão dos Dardenne continua nublado

22.10.2011, às 10H59.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H29

São raros os cineastas que encontram na repetição de temas e estilo a aclamação dos festivais. Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne estão definitivamente entre eles, com filmes como A Criança(2005), O Filho (2002) ou Rosetta (1999) discutindo as relações humanas - e emocionando no processo. É reconfortante, porém, vê-los três anos depois de O Silêncio de Norma (2008) buscando variações em sua arte.

O Garoto de Bicicleta

O Garoto de Bicicleta

Em O Garoto da Bicicleta (Gamin au Vélo, 2011), os irmãos belgas invertem as estações, filmando pela primeira vez no verão. A fotografia do colaborador frequente Alain Marcoen, assim, ganha uma paleta de cores completamente nova - além de uma ambientação mais suburbana, com direito a grama, vegetação e pracinhas -, que ele registra com menos rigidez do que em filmes como A Criança, por exemplo.

Outra novidade é um rosto famoso no elenco. A francesa Cécile de France, mais conhecida por aqui por Além da Vida e Um Lugar na Plateia, vive Samantha, uma cabelereira que conhece um garoto durante o momento mais turbulento que ele já viveu. A atriz, porém, se encaixa perfeitamente no universo dos cineastas, desaparecendo nele sem traços do estrelato. Mas o filme é mesmo do estreante Thomas Doret. Como Cyril, o menino do título, ele entrega momentos de apatia que esconde seu sofrimento e explode em convincente ferocidade, transmitindo todo o isolamento e confusão do protagonista, abandonado pelo pai (Jérémie Renier, descoberto pelos cineastas em A Promessa) em um internato.

As cores, a mudança de ritmo e até a utilização de trilha (algo impensável para a dupla há alguns anos), porém, não amenizaram o olhar crítico dos Dardenne. É impossível não lembrar de outro filme com duas rodas, pai e filho, Ladrões de Bicicleta. Como o clássico neorrealista de Vittorio De Sica, que registrou o desespero do pós-guerra do lado dos vencidos, O Garoto da Bicicleta analisa outra crise econômica, a europeia. Cyril é visto pelo pai não como uma responsabilidade, alguém a ser criado e amado, mas um fardo, um reflexo da desumanização da modernidade.

É chocante notar a diferença de valores entre os dois pais dos filmes, separados por seis décadas. Enquanto o primeiro luta, desesperado, pela condição que o permitiria trabalhar e sustentar sua família em tempos difíceis, o de 2011 opta pelo abandono, largando o filho sem olhar para trás - aliviando a dor do menino com um saco de batatas fritas, que ele recebe com amor no olhar. Para os Dardenne, o homem valoroso de 60 anos atrás tornou-se um covarde, incapaz tanto de aceitar sua realidade como de enfrentar as consequências de seus próprios atos pensados.

Felizmente, é verão e - no que também é novidade da cinematografia dos belgas - pode brilhar uma luz otimista na sofrida história de Cyril.

Nota do Crítico
Excelente!