Gêmeos idênticos são fascinantes. Dois exemplares do mesmo DNA com possibilidades completamente diferentes de desenvolvimento.

Em O Duplo, porém, Fiódor Dostoiévski não discute o que torna cada cópia de Yakov Petrovich Golyadkin especial, mas confronta as duas. O sósia não é um irmão, mas uma versão melhorada do outro. Ele concorre pelo mesmo espaço, pela mesma vida.

Na sua adaptação para o livro de Dostoiévski, Richard Ayoade transforma Golyadkin em Simon James e se mostra muito mais simpático ao protagonista do que o escritor russo. Enquanto o personagem original leva à “vergonha alheia” nas suas tentativas de promoção social, o do filme, interpretado por Jesse Eisenberg, é digno de pena por sua timidez, sua incapacidade de viver.

A cópia, por outro lado, é igualmente maliciosa à da novela de 1846. James Simon surge com um sorriso no rosto, pronto para mostrar para Simon James que é tudo o que ele queria ser - e Eisenberg sabe alternar bem as duas personalidades. Entre os dois está Hannah (Mia Wasikowska), a única figura iluminada do longa. Ayoade cria esse triângulo amoroso para ressaltar os defeitos de Simon e a malandragem de James, desenvolvendo todas as facetas dos seus personagens com apenas 93 minutos.

Em seu segundo longa depois do elogiado Submarine (2010), Ayoade também consegue transpor o clima da Rússia fria, burocrática e claustrofóbica de Dostoiévski para um mundo distópico, sem cor, feito de repartições, pequenos apartamentos, programas de TV bizarros e uma tecnologia à la Terry Gilliam. É uma adaptação fiel e ao mesmo tempo livre de uma história intrigante, que circula pelo folclore, literatura e cinema há séculos (o último exemplo na sétima arte, depois de O Duplo, seria O Homem Duplicado, a adaptação de Denis Villeneuve para o livro de José Saramago): o medo de ter alguém mais qualificado para viver a sua vida.