Um homem está semideitado em sua poltrona, ouvindo uma fita cassete com instruções de relaxamento. O efeito relaxante é tal que, injuriado, ele levanta e destrói a fita, para depois infartar e ir parar no hospital.
O Bom Coração
Este é Jacques (Brian Cox), já um habitué dos pronto-socorros e salas de cirurgia, de tantos infartos que sofreu. Mas, como dizem sobre os vasos ruins, ele continua inteiro entre seus remendos. No hospital, Jacques divide o quarto com Lucas (Paul Dano), jovem dócil e suicida falho - seu extremo oposto. A narrativa de O Bom Coração (The Good Heart, 2009) se polariza em torno destes dois personagens contrastantes que, aos poucos, vão causando mudanças um no outro.
Ao descobrir que Lucas é morador de rua, Jacques o adota como aprendiz e possível herdeiro de seu bar, o House of Oysters (que já deixou de servir ostras há algumas décadas). O bar, aliás, é um universo à parte. Os clientes são cheios de peculiariades e o bar é uma instituição com regras e valores. Jacques, dono e barman de grande mau humor e pavio curto, vai passando a Lucas lições sobre a profissão - "Não estamos aqui para salvar pessoas, estamos aqui para destruí-las", ensina. Lucas traz o tal bom coração do título e reluta em ver o mundo com a frieza de Jacques. Porém, também sofre ao ser impactado com todas as responsabilidades de sua nova vida, em contraste com a rotina de morador de rua.
É interessante perceber como o filme alterna momentos cômicos - humor seco e frio, mas ainda humor - com cenas de alta dramaticidade. Mas este não é o drama do real. Há um toque de irrealidade que sinaliza que aqueles personagens, aquelas situações e aquele bar existem em seu universo próprio, na Nova York filmada na Islândia, terra natal do diretor Dagur Kári. Notamos esse paralelo ficcional já no começo, quando o pastor alemão de Jacques o acompanha pelos corredores do hospital, com propés nas patas e tudo. E é preciso agarrar-se a este conceito para engolir o final do filme e a literalidade da metáfora cardíaca.