Não é à toa que o Recife (e a Olinda) registrado por Bruno Mazzoco e Mariana Soares em O Ano em Que o Frevo Não Foi pra Rua começa preto-e-branco. Num documentário sobre a ausência cultural dos blocos tradicionais do Carnaval pernambucano nos anos da pandemia do covid-19, ilustrar isso através da ausência de cores pode não ser um toque de muita sutileza, mas representa bem a sensação dos homens e mulheres que ali testemunham de sua saudade pela festa.
O Carnaval, na mente dos porta-estandartes, músicos e foliões entrevistados ali no começo de 2021 pela dupla, é uma explosão colorida que se manifesta nos arranjos orquestrados, nas fantasias criativas e nos muitos ícones que povoam as ladeiras olindenses todo começo de ano. Há uma tristeza palpável nos depoimentos de quem se vê limitado a acompanhar apresentações musicais em lives, dar entrevistas sobre como sentem falta de estar com o povo e encontram nas lembranças de Carnavais passados o consolo para suportar o “novo normal.” Essa expressão, quando surge no filme, causa uma avalanche de lembranças – nem todas boas – na mente do espectador, e O Ano em Que o Frevo Não Foi pra Rua nunca é mais forte como filme do que como essa cápsula do tempo.
Diferente de outros filmes sobre a pandemia, porém, O Ano em Que o Frevo Não Foi pra Rua tem um viés bem específico, e por mais que esse longa faça um trabalho ímpar na captura do significado do Carnaval para quem o festeja, há um certo cansaço na encenação repetitiva dessa reflexão. Mazzoco e Soaresabraçam uma estrutura episódica, indo de entrevistado em entrevistado e deixando que eles falem sobre o que estão passando. Isso significa que o filme passa a depender da força de cada testemunho, exceto quando o documentário vai contra seu próprio título e parte rumo ao exterior das casas e apartamentos onde todos estão isolados.
Talvez as melhores cenas capturadas pelos diretores sejam as que envolvem figuras que passeiam pelas ruas quase desertas enquanto falam de como, em outros tempos, estavam saltando e cantando naquelas mesmas esquinas. A profundidade de detalhes em suas falas é potente o suficiente para quase fazer os bloquinhos brotarem do chão. Cada passo, cada canção, cada encontro está mais do que memorizado. Trata-se de algo entranhado em seu interior, e o impacto visual do cenário vazio, aliado a seus discursos, significa que o filme encontra essas pessoas em algo como um Carnaval fantasma.
Há, também, uma pontada de dor que vêm de localizar as entrevistas em 2021, já que diversas vezes ouvimos frases como “ano que vem estaremos de volta”, e a consciência de que 2022 também não teria Carnaval imediatamente sublinha essas declarações com um ar agridoce. Tanto é que a decisão, ou necessidade, de Mazzoco e Soares de não revisitarem seus entrevistados no segundo ano em que o frevo não foi para rua acaba como uma oportunidade perdida. O filme traça a passagem do tempo num intertítulo, e não explora o potencial dramático deste retorno.
É algo que não acontece, por outro lado, na conclusão de O Ano em Que o Frevo Não Foi Pra Rua. Trazendo de volta o Recife/Olinda colorido do feriadão, o filme encerra mostrando o retorno dos entrevistados às festas. Entre os registros finais estão imagens dos mesmos ambientes de antes, agora lotados de gente, e a poesia imagética dessa rima leva o filme a uma catarse quase tão grande quanto a de quem passou dois anos esperando por aquele momento.
*O Ano em Que o Frevo Não Foi Pra Rua foi exibido em competição no Cine PE 2025. O filme ainda não tem data para estrear nos cinemas.