Andam tão descomprometidos os blockbusters hoje em dia - viciados em estruturas que só se preocupam em reter a atenção do espectador - que quando No Limite do Amanhã (Edge of Tomorrow) começa logo de cara sugerindo uma sátira política, é como se víssemos um objeto estranho. Se dá para saber se um filme vai ser bom ou ruim nos primeiros cinco minutos, a ficção científica de Doug Liman certamente parte com o pé direito.
no limite do amanhã
no limite do amanhã
A trama futurista, sobre a última batalha de uma longa guerra entre invasores alienígenas e as defesas da Terra, parece misturar Feitiço do Tempo com Tropas Estelares. Responsável pelo marketing e pela assessoria de imprensa do exército, o major Bill Cage (Tom Cruise) nunca entrou em combate. Quando é convocado pelo general (Brendan Gleeson) a registrar em vídeo, in loco, o front na Normandia, ele refuga, é acusado de deserção e termina rebaixado a soldado no destrambelhado pelotão do Sargento Farell (Bill Paxton). Uma vez lá, Cage sofre um acidente alienígena que o mata e o ressuscita e o faz viver repetidamente o mesmo "dia D".
As citações à Segunda Guerra Mundial - a invasão da França, o Dia D, o cerco europeu - são as primeiras de uma série de colagens de gêneros e referências que o roteiro faz, a partir do romance japonês de Hiroshi Sakurazaka em que o filme se inspira. A ideia não é apenas reviver imagens que os filmes de guerra eternizaram no imaginário coletivo no Século 20 - o desembarque na praia é claramente uma releitura futurista do começo de O Resgate do Soldado Ryan - mas principalmente sugerir que todas as guerras, na prática, são idênticas.
É de camadas de repetições que este filme é feito, afinal, e aí começa a sátira e o comentário político de No Limite do Amanhã. A premissa de ficção científica transforma em texto algo que quase sempre fica no subtexto nos filmes sobre o horror da guerra: soldados estão no pelotão de frente para ser mortos, e não há distinções entre esses jovens sem perspectiva que entraram para o exército quase sempre por necessidade e nem sempre por convicção. Ao morrer repetidamente no filme, Bill Cage representa esses muitos soldados num só.
É tragicamente absurdo que a humanidade repetidamente se sujeite a isso, então é de fato como se estivéssemos num encontro entre o nonsense de Feitiço de Tempo - Tom Cruise faz um homem da mídia como Bill Murray fazia, e Bill Paxton preenche o papel de alívio cômico como Stephen Tobolowsky na comédia de 1993 - e o absurdo fascistoide de Tropas Estelares (a propaganda da guerra, crucial no filme de Paul Verhoeven, é a primeira coisa que Bill Cage revê diariamente quando desperta da morte).
Coloque no meio elementos tirados de Matadouro 5 (o trauma da guerra vivido no repeat), Distrito 9 (transformar o observador cínico em protagonista), Matrix Revolutions (exoesqueletos duros contra aliens tentaculares maleáveis, uma das principais alterações em relação ao livro) e A Identidade Bourne do próprio Doug Liman (a repetição torna Bill Cage um Jason Bourne, seus reflexos condicionados à sua memória) e temos uma mistura bem pensada para provocar reflexão e, ao mesmo tempo, entreter o público.
No Limite do Amanhã termina mais apaziguado do que começou, ao encontrar na subtrama romântica do menino-encontra-menina uma saída talvez previsível e segura, sem testar os limites de sua sátira política como Verhoeven testava em Tropas Estelares. Isso não significa, porém, que é um blockbuster inofensivo. Na verdade, ao emular a dinâmica de checkpoints dos games de guerra e tiro, Liman aproveita para criticar o vazio desses jogos - em que morrer não significa nada além da contagem de cabeças. Se as guerras hoje se fazem no joystick, No Limite do Amanhã ajusta seu comentário aos novos tempos.