Aos oito anos, Billy Chapman vê seus pais serem assassinados por um criminoso vestido de Papai Noel. Após uma infância e adolescência marcada por abusos em um orfanato comandado por freiras, ele surta durante a época mais festiva do ano e passa, ele mesmo, a se fantasiar como o personagem para cometer crimes violentos. Essa era a premissa de Natal Sangrento, de 1984, que se tornou um sucesso surpresa e gerou uma improvável franquia – com muitos dos capítulos inteiramente desconectados da cronologia principal, desenhados para capitalizar fácil em cima da “marca” recém-criada.
Mas Natal Sangrento não foi só um hit inesperado. De certa forma, ele era uma história genuinamente subversiva: na época marcada por Freddy Krueger, Michael Myers e Jason Vorhees, maníacos impenitentes que não demoravam a se elevar a um patamar de ameaças sobrenaturais quase invencíveis, Billy Chapman era só um menino traumatizado. Sua matança era temporalmente e numericamente limitada – menos serial killer e mais carro desgovernado, ele ainda morria antes de se vingar de quem mais o traumatizou. Uma figura trágica, e em certa medida representativa das cicatrizes de uma geração.
Corta para 2025, e o “antivilão” Billy está de volta em um novo Natal Sangrento – na verdade, a segunda tentativa de renovar a franquia, após um remake fracassado em 2012. E, desta vez, o roteirista e diretor Mike P. Nelson (Pânico na Floresta: A Fundação) faz algumas mudanças pontuais na mitologia: ao invés de acompanharmos o protagonista (Rohan Campbell, de O Macaco) em uma única noite de loucura homicida, o conhecemos já como um assassino experiente, que desde o incidente com seus pais se sente impelido por uma voz em sua cabeça a matar uma pessoa por dia durante o mês de dezembro.
Aos poucos descobrimos, ainda, que esse impulso é menos loucura e mais vigilantismo: Billy só mata “pessoas ruins”, como reveladas a ele por visões sórdidas dos segredos que elas guardam. Um retrato ainda mais generoso do personagem do que no filme original, portanto, e talvez mais ajustado à mentalidade desses tempos pós-esperança, pré-apocalipse, em que ninguém acredita em ninguém e provavelmente tem bons motivos para isso. Neste Natal Sangrento, enfim, raiva é bom, e violência é pura catarse.
Nessa proposta, há de se dizer, o filme de Nelson triunfa. O seu texto não é intrincado ou profundo, mas cumpre o papel de criar personagens pelos quais o espectador se vê torcendo contra as mazelas do mundo ao seu redor. O seu elenco, de forma similar, se apossa desses personagens de forma vívida e crível, com destaque para uma Ruby Modine (Shameless) que vai tomando os holofotes com delicadeza conforme sua personagem emerge como a encarnação mais clara dos temas do filme.
Acontece que Nelson é também um diretor de terror profundamente mediano, e quase tudo que Natal Sangrento encontra de ressonância textual, ele perde em mesmice estética. As cenas de morte são filmadas e montadas de maneira modorrenta, deixando de lado tanto o impulso iconográfico do terror pop (à la Terrifier, que divide com este filme alguns produtores) quanto a construção de suspense que seria mais tradicional do gênero. Sem tensão nem diversão, resta a Natal Sangrento ser uma boa válvula de escape para frustrações contemporâneas. Funcional, mas esquecível.