Uma aventura pressupõe uma viagem por cenários fantásticos, enfrentando grandes riscos em nome de um objetivo geralmente maior do que apenas a ambição dos seus heróis. No entanto, sem sentimentos genuínos que ancorem os obstáculos e, consequentemente, as dificuldades para superá-los, não há grande tesouro, descoberta assombrosa ou moral da história que possa suplantar a frustração quando é chegada a conclusão. Porque, quer você goste ou não, o clichê é verdade: não se trata do final, mas sim da jornada. Por isso, é triste se dar conta de que Mundo Estranho é, no melhor, adequado. Infelizmente, como quem completa um checklist burocrático, a história da família de aventureiros está tão preocupada em fazer tudo certinho que se esquece do que há de mais épico em si mesma: seu coração.
É estranho que este seja o caso, considerando que é um projeto do diretor Don Hall e do roteirista Qui Nguyen, a mesma dupla por trás de Raya e o Último Dragão. Mas, enquanto eles oferecem com os percalços da princesa mais do que uma mensagem conciliadora, na sua animação mais recente os empecilhos não são suficientes para colocar o espectador no lugar do seu trio de protagonistas. E não se engane: não é porque as crenças e dilemas dos personagens não são realistas — eles são. Só que há uma grande distância entre racionalizá-los e traduzi-los em uma jornada emocional, e Hall e Nguyen dessa vez parecem se contentar em dar apenas o primeiro passo.
Combinando um drama familiar que se estende por gerações com uma espécie de alerta ambiental, Mundo Estranho acompanha o fazendeiro Searcher Clade (dublado, no original, por Jake Gyllenhaal), um homem celebrado por uma descoberta que fez na adolescência e que mudou a vida de toda a sua comunidade. No entanto, quando uma ameaça natural põe em risco o bem-estar coletivo, ele é obrigado a tomar uma decisão difícil: ir contra sua natureza e procurar a raiz do problema, ou ficar no conforto do seu lar e assistir à chegada da destruição.
É claro que, nestes termos, a escolha parece bastante imediata, mas decidir pela viagem significa, para Searcher, encarar um trauma no passado. Isso porque a última vez que viu seu pai Jaeger (Dennis Quaid), o maior aventureiro que já existiu, eles tiveram um grande desentendimento. Para o veterano, era inadmissível que o filho preferisse estudar a partir em missões, mesmo que a ciência também pudesse trazer avanços relevantes. Ou seja, se aventurar depois de conquistar a tão sonhada estabilidade não era só arriscado. Era também ceder aos caprichos do pai e, ao mesmo tempo, admitir que sua ausência ainda era sentida. Porém, o que Searcher não sabia quando disse sim era que a excursão também jogaria luz ao conflito que evitava ter com seu próprio filho Ethan (Jaboukie Young-White), um jovem que desde cedo ansiava por explorar o mundo.
Quer dizer, Mundo Estranho tem, no seu cerne, um atrito clássico e presente em todas as famílias. Independentemente da razão — nesse caso, não só a predileção de carreira, mas também a justaposição entre uma personalidade sensível e acolhedora contra uma masculinidade quase agressiva —, pais e filhos estão fadados a alguma espécie de antagonismo. Por isso, mais do que a tese em si, há de se reconhecer que é esperta a maneira como a animação a estrutura. Aqui, a resistência ao convívio de três gerações é uma ilustração clara de como é possível repetir os mesmo comportamentos danosos, ainda que se tente ser o completo oposto. Porque a verdade é que não se trata de ser deste ou daquele jeito, mas de negar que o outro possa ser diferente.
É, portanto, uma ideia realista, relevante e pertinente ao seu tempo, o que só enfatiza a decepção com a maneira como Mundo Estranho foi conduzido. Ao se ocupar mais em encadear os eventos do que mostrar as consequências emocionais de cada passo, seja do drama familiar, seja do trajeto que percorrem, o filme negligenciou o que é fundamental a qualquer história — básico até. Porque sem essa âncora sentimental — que só o discurso não dá conta —, todo o universo pulsante que Hall e Nguyencriaram, com suas engrenagens intrincadas e coloridas e sua humanidade, perde o propósito. E, como consequência, uma boa história se esvazia.
Embora tenha ficado no quase, Mundo Estranho tem elementos a se celebrar, a começar por representar um personagem LGBTQIA+ sem escondê-lo num papel coadjuvante do coadjuvante, nem tornar sua orientação sexual toda a sua personalidade. Ou, ainda, sua mensagem sobre preservação ambiental e seu visual exuberante. Nenhum deles é suficiente para disfarçar a frustração, mas ao menos consolam por evidenciar que, na burocracia do roteiro, existiam boas intenções.