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Moonlight: Sob a Luz do Luar | Crítica

Principal filme indie do Oscar aposta em dramaturgia não verbalizada

24.02.2017, às 12H48.
Atualizada em 24.02.2017, ÀS 13H09

Filme de caráter independente mais reconhecido pelo Oscar 2017, com oito indicações, Moonlight: Sob a Luz do Luar se encontra no meio do caminho entre esses dois pólos, o cinema eminentemente narrativo que a Academia prestigia e o estilo mais contemplativo que costuma emplacar em festivais. É uma generalização, claro, mas aos poucos vai ficando claro que essa disputa velada entre o narrativo e o contemplativo é o principal ponto nervoso do longa do roteirista e diretor Barry Jenkins.

O filme abre com uma cena numa rua qualquer, num bairro de periferia de Miami, com três homens em cena: o chefe do tráfico local, um jovem adulto (ainda vacilante, funcionário do traficante) e um velho desarticulado, parente do garoto. Ator de inegável presença de cena, Mahershala Ali interpreta o traficante, Juan, nesse breve triângulo que parece sintetizar as três fases da vida de um homem, em ambiente marcado pelo determinismo. Moonlight não precisa de muito para nos deixar claro que, dos três, Juan está no auge, ainda que esse auge eventualmente se revele efêmero.

É nesse esquema que a dramaturgia de Moonlight se estabelece a partir daí: na contraposição de tipos distintos, num jogo constante de comparações. O protagonista, Chiron, que surge em cena quando enxerga em Juan uma necessária figura paterna, é acompanhado pelo espectador em três momentos distintos da sua vida, e em cada um desses momentos as comparações se renovam e se reorganizam: com o traficante, com a mãe, com um amigo, com rivais, com outras mulheres, em situações de drama cotidiano, de formação.

Ao propor questões de alteridade que nem sempre se verbalizam, o que Jenkins parece almejar é um tipo de cinema muito mais próximo do contemplativo, que se resolve não no verbo mas na fisicalidade. Há filmes que fazem esse trajeto e, pela via do impressionismo, transcendem a capacidade limitada da palavra, como Bom Trabalho, a influente obra-prima de 1999 de Claire Denis. A grande tradição do cinema americano é a narrativa, porém, com temas bem definidos, e Moonlight sem dúvida os tem: o tema da homossexualidade, do abandono parental, do refúgio no crime. Na hora de articular esses conflitos mais críticos, Jenkins parece contemporizá-los, em soluções visuais às vezes insuficientes para dar conta da intensidade desses conflitos - seja num abraço, no silêncio de uma música ou de um baseado dividido a dois.

Se as relações de causa e efeito que dão liga à dramaturgia de Moonlight parecem meio precárias às vezes, Jenkins pelo menos consegue, escorado em ótimo elenco, suprir essa carência ao apostar tudo no gestual. A câmera do diretor circula os atores e investe em close-ups na expectativa de que isso faça transpirar uma dramaturgia dos corpos, que afinal são todos fisicalidade; a mãe viciada cujo poder sobre o filho diminui à medida em que o corpo dela se deteriora é um dos principais exemplos disso. Jenkins recorre com frequência à câmera lenta nesses momentos para pontuar bem o vigor dos gestos. A jornada do protagonista nesses três atos não seria outra, portanto, senão a conquista de uma autonomia visual, quando ele troca a vergonha de seus braços longos e finos pela autoestima do estilo gangsta.

Jenkins entende dessa coreografia e Moonlight tem mesmo algumas cenas muito inspiradas nesse sentido, como quando Chiron se (re)veste para reencontrar um amigo: o caráter simbólico de se cobrir com a camiseta, de se refugiar no carro, de colocar e depois tirar a dentadura de ouro, camadas e camadas de proteção. Se essa dança de pudores e aproximações - que a câmera registra com movimentos nunca bruscos - tem algum valor, é o de materializar sem palavras as distâncias que nos separam e nos unem, num filme que, embora pareça insuficiente, tem seus potenciais dormentes.

Nota do Crítico
Ótimo