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Crítica

Mistress America | Crítica

Greta Gerwig e Noah Baumbach fazem uma variação de Frances Ha em comédia sobre gerações

18.11.2015, às 18H53.

Da trilha sonora cheia de sintetizadores ao neon nos créditos finais, tudo que cerca a performance de Greta Gerwig em Mistress America lembra a Nova York dos anos 1980, dos yuppies hiperativos, movidos a cocaína, cheios de ambição. Talvez a diferença dessa geração para a dos millennials, crescidos nos anos 2000, que também têm o mundo nas mãos, à sua maneira, seja só uma questão de auto-estima (e de preferência pela maconha).

Embora o roteirista e diretor Noah Baumbach, nesta sua nova parceria com Gerwig depois de Frances Ha, construa um filme aparentemente modesto no seu flerte com a comédia screwball - gênero clássico americano marcado pelas correrias, pelo diálogo rápido e pelos desencontros amorosos - Mistress America desenha um conflito de gerações que não tem nada de despretensioso. Ao som do pop fácil da dupla Dean & Britta (que volta a assinar uma trilha de Baumbach dez anos depois de A Lula e a Baleia), o que testemunhamos é a tentativa de historiografia de uma cidade conhecida pela capacidade de apagar seu passado em ciclos de renovação.

Gerwig vive Brooke, novaiorquina típica e balzaquiana não assumida, que sonha abrir um misto moderno de restaurante de comida caseira com café, salão de beleza e espaço cultural. Como o pai de Brooke vai se casar, ela recebe a missão de ciceronear pela cidade sua futura meia-irmã, Tracy (Lola Kirke), que acaba de entrar numa faculdade em Nova York e parece sufocada pela cidade e sua gente altiva. Tracy elege Brooke como musa, e as confusões do filme - cuja neurose cosmopolita é amplificada em relação a Frances Ha, para fins cômicos - partem daí.

É curioso que Brooke e Tracy deixem a cidade e peguem a estrada num momento importante do filme, e nesse instante a relação das duas se desarticule por completo. É como se houvesse antes entre as quase irmãs - durante passeios cheios de risos e boemia por Manhattan - um acordo não dito de hereditariedade: Brooke passa adiante para Tracy tudo o que sabe, e a caçula um dia há de substitui-la. O que elas não percebem é que esse acordo implica violências e rancores secretos, como o processo de gentrificação de Nova York em que as coisas velhas cedem seu lugar, sob o apelo da novidade. Uma vez fora da cidade, desse ciclo, tudo fica tragicamente mais claro.

Baumbach faz aqui, então, uma variação da premissa de Frances Ha, em que a personagem de Gerwig encontra na transitoriedade - saindo da rotina obsessiva das metrópoles para o marasmo de Poughkeepsie - uma jornada de regressão que lhe permita olhar a própria vida do lado de fora. A jornada de Mistress America não é exatamente de regressão, mas de aceitação: como os apartamentos que deixamos, ou os espaços que nunca ocupamos, a vida é feita de oportunidades passageiras, e se uma coisa nós temos em comum, geração após geração, é essa aflição de deixarmos alguma marca no mundo.

Nota do Crítico
Ótimo