Discutir o feminismo sem cair no campo do panfletário é uma tarefa difícil, principalmente em um momento em que Hollywood se apropria da discussão e tenta transformá-la em um produto absoluto, sem rebarbas. Tendo isso em mente, Meu Ex é um Espião poderia ser mais uma comédia vazia, que tenta se promover a partir desta bandeira. Mas o filme de Mila Kunis e Kate McKinnon é mais do que isso. O longa costura este debate de modo inteligente e nada óbvio, construindo uma narrativa interessante e cheia de ação sobre o relacionamento de duas amigas.
Lionsgate/Imagine Entertainment/Divulgação
O longa acompanha Audrey (Kunis), uma mulher nos seus 30 anos com uma rotina bastante monótona, principalmente após término de seu relacionamento. Frustrada com os rumos de sua vida, ela se vê em meio a uma conspiração internacional ao descobrir que seu ex-namorado é, na realidade, um espião. Com o sumiço dele, ela não terá escolha a não ser completar uma missão perigosa junto da sua melhor amiga Morgan (McKinnon), enquanto são perseguidas por agentes da CIA e assassinos por toda a Europa.
Seguindo os passos de Paul Feig em A Espiã que Sabia de Menos, Susanna Fogel e David Iserson criam uma narrativa divertida valendo-se de um subtexto feminista muito necessário. Entretanto, Meu Ex é um Espião não usa o filme anterior como uma fórmula pronta e expande seus conceitos com originalidade. Se Melissa McCarthy tinha que provar a si mesma e a todos que era capaz de ser uma agente de campo, Mila Kunis e Kate McKinnon o fazem tendo a sororidade como arma.
Sem dúvida, a amizade entre mulheres é o grande tema dessa comédia. Embora o estopim da história seja o amor de Audrey pelo ex-namorado, é a parceria com a amiga que a sustenta durante toda a aventura. Nos momentos adversos e, às vezes, inapropriados, uma fortalece a outra com "discursos militantes” engraçados e fofos. Mas, mais do que apenas o companheirismo da dupla, a comédia faz um retrato das outras facetas dos relacionamentos femininos com esperteza. Ora mostrando aquela “amiga” que sempre te puxa para baixo, ora a sinceridade sem filtros entre mãe e filha, a comédia gera uma identificação imediata com o público e, a partir disso, constrói o seu humor.
A química entre as protagonistas era primordial para que esta proposta funcionasse e o duo Kunis-McKinnon foi a escolha perfeita. Juntas, elas têm muita sincronia e não é nada difícil imaginá-las como melhores amigas. Nesse sentido, há ainda o mérito da diretora, que faz um trabalho excelente no seu primeiro grande filme. Ao mesmo tempo que privilegia o lado cômico da dupla nas grandes cenas de ação, Fogel não sacrifica de modo algum o dinamismo e a rapidez exigidos em tais sequências. É engraçado e envolvente na medida certa.
Ainda que permeie toda a comédia, a discussão sobre sororidade não restringe de modo algum seu público-alvo. Não devido à presença de piadas para além deste tópico, como as referências a Missão: Impossível e 007 ou, mesmo, a caricatura da imagem que o americano passa para o restante do mundo. Mas sim pelo fato de que é um filme fresco e muito bem feito, que prende o espectador desde o primeiro minuto. Deixar de vê-lo por cisma ou desconfiança seria perder a oportunidade de se divertir verdadeiramente.