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Crítica

O Massacre da Serra Elétrica da Netflix surpreende pela falta de pretensão

No caminho contrário da tendência, franquia de terror retorna sem expectativa de grandes impactos

18.02.2022, às 06H00.

Nos primeiros minutos do novo O Massacre da Serra Elétrica, lançado quase 50 anos após o filme de Tobe Hooper, parece que o longa do diretor David Blue Garcia tem algo importante a dizer. É uma introdução curiosa, que alfineta gentrificação, toca no racismo no coração do Texas, fala sobre posse de armas e chega a relembrar um tiroteio escolar. São diversas mensagens que se sobrepõem e que, apesar de nunca se contradizerem, chegam, talvez, rápido demais. Mas Garcia usa o discurso apenas para apresentar seus personagens e suas intenções. Uma vez que o psicopata retorna na nova cidade de Harlow, o filme não se preocupa muito mais com grandes questões - o que parece compreensível já que há, afinal, um maníaco com uma motosserra perambulando por uma cidade abandonada.

A trama não é muito diferente do primeiro filme da franquia, em que um grupo de jovens viaja para um lugar remoto que não aparenta ser tão perigoso. Agora, no entanto, a região é assombrada pelos acontecimentos de 50 anos atrás, quando quatro adolescentes foram brutalmente assassinados por um misterioso psicopata nunca capturado. A única sobrevivente dos acontecimentos, Sally Hardesty (Olwen Fouéré), se tornou policial e passou a carreira perseguindo o assassino, sem sucesso. E apesar dos repetidos avisos, presságios, e a sombra do perigo, os jovens seguem sem grandes preocupações, mantendo, claro, o espírito do slasher. 

Mas Massacre da Serra Elétrica (que, em português, ganhou o subtítulo de O Retorno de Leatherface) já começa com um rumo certeiro ao firmar seus personagens com certa profundidade. O grupo de Austin que vê a oportunidade de estabelecer o ideal hipster em uma cidade abandonada do Texas não é exatamente inocente: eles se intrometem em uma área alheia, trazem investidores, não são bem vistos pelos residentes da área. É um bom estabelecimento de universo, que toma seu tempo para criar a energia entre os personagens. Mesmo assim, o clima do original é rapidamente retomado pelo foco do filme, a dupla protagonista de irmãs Melody (Sarah Yarkin) e Lila (Elsie Fisher), que se destaca em um grupo criado para servir de vítima de Leatherface. 

É quase impossível não comparar o novo Massacre com o comeback de Halloween, que aconteceu poucos anos atrás. As empreitadas são ridiculamente semelhantes: a decisão de ignorar toda e qualquer sequência, o retorno da final girl original em um papel vingativo, a repetição do título original. O resultado, no entanto, afasta qualquer comparação, porque o Massacre de 2022 é muito menos impactante. E não me entenda mal - seu propósito é completamente diferente. Enquanto o novo Halloween tem sim ambições épicas, o novo filme do Leatherface é contido, e faz do retorno de Sally uma ferramenta narrativa, e não o propósito de sua existência.

Esse é, talvez, seu maior acerto. É necessária certa ousadia para pegar um clássico nas mãos e entendê-lo apenas como base, sem precisar mirar ou tentar simular a grandiosidade que foi atribuída ao original com o tempo. O novo Massacre da Serra Elétrica é um filme muito menor, um terror adolescente, e nem tenta criar o mesmo tipo de clima que Hooper concebeu em 1974. São atmosferas completamente diferentes. Enquanto o primeiro filme se mostrou tão eficiente pela construção de um terror quase documental, se prolongando em cenas sinistras e estabelecendo o ritmo de um pesadelo, o novo Massacre se sustenta em suspense e susto. Ele é sim muito menos eficaz em amedrontar a longo prazo ou deixar o espectador estarrecido após os créditos, mas sabe criar tensão imediata e nos fazer torcer por suas vítimas.  

No mesmo sentido em que parece ter se desprendido da responsabilidade de criar uma sequência realmente poderosa, O Massacre da Serra Elétrica também transparece um picotamento da produção, conturbada pela demissão dos primeiros diretores e vendida para a Netflix após (supostas) exibições mal-recebidas. Por trás do enredo, é possível enxergar uma vontade de criar algo maior, principalmente nas cenas que se deliciam na figura de Leatherface. O que restou no produto final funciona, mas deixa também um questionamento do que teria sido o filme que toma seu tempo nas sequências do mascarado em grandes campos de flores, e se encanta com as ambientações macabras.

A falta de afetação do novo Massacre não significa que ele não deixa espaço para sequências, mas sua cena pós-créditos (claro) funciona perfeitamente tanto como recomeço quanto como fim de jornada. Sem abusar de referências e livre do peso do original, o terror da Netflix entrega um refresco no contexto atual, provando que pouca pretensão pode ser muito mais eficiente do que promessas vazias de legado e grandiosidade.

Nota do Crítico
Ótimo