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Os Infiltrados | Crítica

Martin Scorsese e Os Infiltrados: Tudo pelo social

09.11.2006, às 00H00.
Os infiltrados
The departed
EUA, 2006
Policial - 142 min

Direção: Martin Scorsese
Roteiro: William Monahan, baseado em original de Felix Chong e Alan Mak

Elenco:
Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Jack Nicholson, Mark Wahlberg, Jack Nicholson, Vera Farmiga, Anthony Anderson, Alec Baldwin, Ray Winstone, James Badge, Martin Sheen, David OHara, Mark Rolston, Kevin Corrigan

A perversão, fonte da violência de qualquer film noir, é uma característica humana. A violência dos filmes de gângster tem outra raiz, a social. Capones e Corleones optam pelo crime mais para transgredir o determinismo que os cerca do que para aplacar obsessões. É um instinto de sobrevivência, não uma depravação.

Dificilmente você verá Martin Scorsese dirigindo um noir. Agora, é impressionante como as marcas autorais das obras do gangsterismo se repetem em sua filmografia - de 1973 a 2006, de Caminhos Perigosos a Os Infiltrados. Nos filmes de máfia, de macho do diretor, seja em Taxi Drive, em Os Bons Companheiros, em Cassino ou em Gangues de Nova York, é tudo pelo social.

O cultuado policial chinês Conflitos internos, que Scorsese refilma na forma de Os Infiltrados, se encaixa quase que darwinianamente na escala evolutiva do cineasta. Por quê? Repetem-se os temas e aprofundam-se as abordagens. No mundo visto de dentro do gênero não há espaço para variações tanto no andar de cima, a lei, quanto no de baixo, a ilegalidade. Essa máxima vale para todos os filmes citados aqui, mas não faltam personagens tentando quebrá-la.

John Civello, Travis Bickle, Jake LaMotta, Henry Hill, Amsterdam Vallon... Cada um dos tipos consagrados do cineasta tentava furar o papel que lhe cabia no estrato social através do conflito. Desafiar o sistema, seja destruindo-o ou destruindo a si mesmo, era o caminho. Em Os Infiltrados, não. Para mudar, para se tornarem os departed (aqueles que partiram) do título original, Colin Sullivan e Billy Costigan deixam-se enquadrar.

Você já deve conhecer a trama a essa altura: Costigan é o policial infiltrado no banditismo, Sullivan é o gângster infiltrado na polícia. Quem melhor para espionar a gangue do que um policial que vem de uma família de bandidos? O mundo e o submundo dos irlandeses de Boston não permitem transições, e é flertando com o determinismo que os dois personagens interpretam os papéis que lhes cabem, mantendo as aparências, e transformando-se de verdade através da aparência. Implodir o fingimento é uma forma de implodir o sistema.

Criar dois camaleões, como os descritos acima, é uma mudança totalmente oposta de posição empreendida por Scorsese, e não há dúvidas de que isso se reflete nas crises de identidade que conduzem adiante a trama de Os Infiltrados e que impregnam cada fotograma seu, como também já pontuavam o longa chinês. Conflitos internos é mais dramático, no sentido em que as experiências são mais individualizadas, emocionais. Em Os Infiltrados, é como se qualquer outro pudesse estar no lugar de Costigan ou de Sullivan. O que importa é o que eles representam.

O que nos leva de volta à violência, peça fundamental nesse jogo de transmutações e ponto de intersecção na trajetória dos dois camaleões. Peça fundamental, aliás, ainda que externa e incontrolável, na vida de todos nós. Sempre tem alguém que acusa Scorsese de estetizar o sangue. Tudo bem, a câmera lenta está sempre lá, tocando junto com a música dos Rolling Stones, enquanto o bandido saca o seu revólver no calor da carnificina. O cineasta embeleza, sim, mas não artificializa nada.

Filmar a violência é uma forma de tentar entendê-la, tentar entender aqueles que a utilizam e, por extensão, compreender as próprias divisas da nossa sociedade.

Nota do Crítico
Ótimo