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Filmes

Crítica

Lamb é um conto de fadas muito mais tocante do que assustador

Filme de estreia de Valdimar Jóhannsson ganha por conceito e estética

16.03.2022, às 14H54.
Atualizada em 16.03.2022, ÀS 15H50

Existem diversos elementos verdadeiramente impressionantes em Lamb, a começar por sua angustiante introdução. Não é apenas a ótima direção estreante de Valdimar Jóhannsson, que captura a energia de uma presença imaterial, uma ameaça que ronda a fazenda de Maria e Ingvar, em um remoto campo na Islândia. Nos primeiros minutos do novo terror distribuído pela A24, existe uma atmosfera de luto - nunca realmente detalhada - que entrega a Lamb sua energia intrigante, e se desenvolve em seu insistente minimalismo. Completado por cenas aflitivamente reais de partos de ovelhas, realizados na câmera pelos intérpretes Noomi Rapace e Hilmir Snær Guðnason, o início de Lamb é promissor, e já deixa a impressão - 100% realizada até o fim - de que este é um filme único. 

Mas se o hypado trailer promete um folk horror sombrio e amedrontador, Lamb rapidamente inverte as expectativas ao se estabelecer no silêncio, e em dias e noites claras, e no distanciamento do sinistro. Na realidade, apesar de sua temática quase fiel demais ao gênero, onde o terror está no isolamento, na natureza e intimamente ligado à simbologia religiosa, Lamb passa um sentimento muito mais dramático. O arco dos pais em luto e a estranheza em adotar um bebê meio humano, meio carneiro, nunca realmente se interessa em atormentar. Enquanto isso não contradiz um filme que se pretendesse aterrorizante, Lamb é muito mais bonito e tocante do que realmente incômodo. 

É um conto simples: a adoção da pequena criatura faz com que Maria e Ingvar renasçam de seu luto, e a ovelha Ada traz novo propósito à vida rural do casal. A decisão, no entanto, não é desprovida de problemas: a dupla é assombrada pela insistência da mãe biológica de Ada, que não desiste da filha e passa os dias espreitando pela janela, e o casal ainda precisa lidar com a inesperada chegada de Pétur, irmão de Ingvar, que sacode as estruturas sempre questionando o bizarro de todo este cenário.

Para além do paralelo bíblico nada sutil - afinal, estamos falando de um carneiro que nasce na noite de Natal e é criado por uma mulher chamada Maria - as mensagens de Lamb também não são lá muito complexas. As leis da natureza são mais fortes que as vontades do ser humano, e muito por isso, a felicidade do casal protagonista é sempre vista como passageira. E exatamente porque Lamb não tem muito a dizer, e é complementado por uma fotografia (ótima, diga-se de passagem) onde os personagens parecem presos em uma natureza inescapável, que o filme de Jóhannsson acaba arrastado por todo o seu miolo. O que o sustenta, por muito tempo, é a simples fofura da pequena Ada, e uma baita atuação de Rapace.

Ada é, também, o maior apelo do filme não apenas por seu visual perfeitamente construído, mas porque, apesar de não ser o foco, ela nunca para de se desenvolver. Existe uma narrativa por trás do animal que foi roubado do seu ninho, e é assombroso ver quanto desenvolvimento é possível fornecer a uma ovelha parcialmente construída de efeitos visuais. Existe um momento específico em que Ada entende suas raízes - e é nesta rápida e silenciosa cena que Jóhannsson atinge seu auge. 

Há uma ambiguidade interessante no desfecho de Lamb, que se encerra como tragédia mas entrega, também, libertação para um casal em dor. E depois de algum tempo preso no dia eterno do campo na Islândia, o filme também entrega uma catarse em seus últimos minutos, compensando o prolongamento de sua duração. No fim das contas, Lamb funciona como um conto de fadas, simples, e com tudo que se tem direito - incluindo suas limitações e lições morais - mas é enriquecido por seu conceito e estética. 

Nota do Crítico
Bom