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Crítica

Juan dos Mortos | Crítica

O primeiro filme de zumbis de Cuba age como iconoclasta mas se encanta com a estética do império

08.10.2011, às 14H38.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Na melhor cena de Juan dos Mortos, que fez gargalhar a sessão lotada do filme nesta madrugada no Festival do Rio, o tal primeiro filme de zumbis produzido em Cuba, Juan (Alexis Díaz de Villegas) e seus amigos precisam matar o primeiro morto-vivo que encontram pela frente. Tentam estacas, afinal pode ser um vampiro. Tentam exorcismo, vai que é possessão. Atirar no sujeito com balas de prata está fora de cogitação, no hay plata em Cuba.

juan dos mortos

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A grande sacada do filme de Alejandro Brugués, e que faz todo o sentido, é tratar os zumbis como uma novidade - afinal, na ilha não entra cultura pop, o mundo é dividido ainda entre imperialistas e revolucionários, e ninguém sabe quem é George Romero.

A falta de acesso a informação, elemento imprescindível de uma boa história de zumbis (nunca se sabe como acontece a infecção, quantos mortos são, onde é seguro etc.), origina algumas das melhores piadas de Juan dos Mortos. Na televisão, o âncora do jornal estatal diz que a praga foi trazida pelos EUA e que os zumbis são "dissidentes". Os sobreviventes não descartam a possibilidade de a infecção ser provocada pelos remédios que o governo distribui depois do vencimento.

Assim que se habitua às regras básicas do combate (não ser mordido, mirar na cabeça), Juan faz o que todo habanero faria no seu lugar: começa a cobrar para matar os zumbis dos outros. Magro e estropiado como um Seu Madruga cubano, com os olhos esbugalhados de um personagem de desenho animado, Villegas empresta a Juan um carisma insuspeito. Juan dos Mortos funciona muito bem enquanto aposta nessa combinação de texto sarcástico com comédia de ator.

Já o miolo do filme é uma grande enrolação. E aí o que destoa, paradoxalmente, é a necessidade de parecer pop. Foi-se o tempo em que a população não tinha acesso a nada. A geração de Alejandro Brugués conhece o bullet time de Matrix e o wire-fu dos filmes de artes marciais - e é essa estética que domina Juan dos Mortos depois da primeira meia hora.

Trata-se de um paradoxo porque, enquanto Juan e seu grupo matam zumbis na Velha Havana com remos e tacos de beisebol, o diretor do filme tem acesso aos clichês do cinema de ação moderno. Do orçamento de Juan dos Mortos, equivalente a US$ 2,3 milhões, pagos pelo departamento oficial de cinema de Cuba e pela produtora espanhola La Zanfona, a maioria vai para os efeitos visuais. E os cubanos, que na malandragem arrumavam jeitos de se virar, de repente podem pagar por um banho de loja - e decidem se vestir como os enlatados que tanto demonizavam.

Isso não compromete o filme, mas fica a impressão de uma oportunidade mal aproveitada. Ser chamado de iconoclasta em Cuba é um xingamento - o país de Fidel e Guevara respeita os seus ícones - e por alguns instantes Juan dos Mortos age com um primor de iconoclastia, queimando e derrubando prédios para dar lugar ao horizonte ensolarado. Por que não encarar com iconoclastia também o cinema de ação americanizado, ao invés de emulá-lo?

Juan dos Mortos | Trailer

Juan dos Mortos | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Bom