Filmes

Crítica

Jogos Vorazes - A Esperança - Parte 1 | Crítica

"Começo do fim" valida franquia como a mais corajosa e contraditória do mercado

19.11.2014, às 17H48.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H40

Se os excessos romanos serviram de inspiração para os dois primeiros Jogos Vorazes, as revoluções socialistas são a base de A Esperança - Parte 1. Banquetes descomedidos, roupas extravagantes e desigualdades sociais dão lugar a sobriedade do Distrito 13. Um mundo cinza, longe da superfície, sem privilégios de classe e preparado para a batalha.

jogos vorazes

jogos vorazes

jogos vorazes

Resgatada em meio a reviravolta de Em Chamas, Katniss (Jennifer Lawrence) se descobre peça-chave de uma guerra alheia à sua vontade. Sob a guarda da severa Presidente Alma Coin (Julianne Moore) e de Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman) ela é cativa dos sentimentos que a levaram a desafiar o presidente Snow (Donald Sutherland). Sem querer, se torna o símbolo que unirá todos os distritos em torno do mesmo objetivo: a derrubada da Capital.

Katniss, porém, não é líder de nenhuma causa. Desde o primeiro filme, a personagem mostra que sua força está no instinto de preservação. Seus atos heroicos são sempre reações, seja para salvar a própria vida ou a de alguém querido, o que a torna alvo fácil para a manipulação de Plutarch. Basta confrontá-la com a destruição causada pelo inimigo para que ela assuma o posto de representante da revolução. Ao ver a dor, o Tordo responde.

Essa articulação de influências afeta todos os personagens e é o diferencial de Jogos Vorazes dentre tantas distopias e fantasias adolescentes. A mídia, antes usada por Snow para apaziguar as massas, é agora instrumento do levante. Francis Lawrence usa em cena as telas espalhadas por todos os ambientes, marcando a distância entre os dois lados do combate. A garota-propaganda dos rebeldes, porém, não sabe fingir. É preciso colocá-la no meio do conflito, acompanhada por uma equipe de filmagem e Cressida (Natalie Dormer), a diretora: “O que você está sentindo agora, Katniss? Fale para a câmera”.

Como o joguete dos conflitos de Panem se tornou então o ícone feminista de uma nova geração? A resposta está em não esconder as suas contradições. Embora o material de divulgação de todos os títulos da franquia venda a imagem da heroína de ação juvenil, os filmes em si não fogem das incoerências de Katniss. Sua teimosia, instinto materno e desinteresse são frequentemente questionados por inimigos e aliados. Mesmo o triângulo amoroso, que aproximaria a série de outras mercadorias teens, ganha novas nuances, servindo mais para confrontá-la do que para defini-la por suas encolhas sentimentais. O resultado é uma personagem forte que não precisa ser masculinizada.

Seguindo a atual regra das grandes produções cinematográficas, Jogos Vorazes - A Esperança - Parte 1 é um filme incompleto. Sua trama mais lenta, sem o clima de arena/ diversão blockbuster dos antecessores, foca na política e nos dramas da sua protagonista (com o excesso de caras de sofrimento de Katniss tornando a atuação de Lawrence caricata em alguns momentos). A batalha e o desenvolvimento de outros personagens ficaram para a segunda parte, que chegará aos cinemas no final de 2015. Assim, Haymitch (Woody Harrelson), Effie (Elizabeth Banks), Finnick (Sam Claflin), Johanna (Jena Malone), e mesmo Gale (Liam Hemsworth) e Peeta (Josh Hutcherson), tem participações reduzidas, ainda que pontuais.

A divisão de A Esperança impede uma avaliação plena, mas esse “começo do fim” certamente valida Jogos Vorazes como o produto mais corajoso e contraditório da cultura pop atual. Ao mesmo tempo em que aborda temas complexos, condenando desequilíbrio social e a manipulação da mídia sem medo de mostrar a própria violência, chega ao público como um invasor, tomando agressivamente os cinemas do mundo, principalmente do Brasil. Basta saber se o seu público-alvo enxerga e questiona esses paradoxos que tornam a franquia especial.

Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1 | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ótimo