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No final dos anos 70, Andre (Artur Gorishti) chega a um vilarejo da sua Albânia comunista para lecionar Biologia na escolinha local. Logo que se acomoda, já é intimado a escolher um slogan todo próprio. O diretor da escola dá duas opções: "O imperialismo americano é apenas um tigre de papel" ou "Avante, espírito revolucionário". Ainda atordoado, sem demonstrar maiores interesses políticos, Andre diz que ambos lhe parecem bons. Mas é imperioso que escolha logo. O slogan que sobrar fica com a professora de Francês, Diana (Luiza Xhuvani). Cutucado por outro professor, Andre escolhe o segundo.
Quando anuncia à classe o seu slogan, as crianças vibram. Por outro lado, na sala de Diana faz-se um silêncio amaldiçoador. Logo Andre descobre a razão: os respectivos alunos são encarregadas de escrever o lema escolhido em colinas utilizando enormes pedras, à vista de todos. E a frase maior, claro, dá mais trabalho.
Seria engraçado se a situação que Slogans (2001) retrata não fosse tão trágica. A co-produção albanesa e francesa dirigida por Gjergj Xhuvani se baseia na História. O regime stalinista do ditador Enver Hoxha (1908-1985) durou quarenta anos e instituiu os slogans como forma de apoio à causa vermelha durante a Guerra Fria. Cada vilarejo da Albânia deveria construir pelo menos dez deles, com 1,5 metro de altura para cada letra. As frases eram enviadas periodicamente pelo Partido Comunista. Os secretários presentes em cada escola, normalmente membros do próprio partido, tratavam de distribuí-las.
A partir daí, o meio de propaganda se transforma em instrumento de despotismo e cerceamento. No filme, Andre foi induzido a escolher o menor para que o conselho da escola punisse Diana - mulher minimamente independente e esclarecida. À medida que o filme avança, essa maneira mais "sutil" de castigo logo se estende a acusações de traição, prisões, remanejamentos entre escolas, serviços físicos forçados. E Andre, agora envolvido amorosamente com a professora de Francês, se vê incapaz de confrontar o sistema.
Narrativa de carochinha
Slogans apresenta muito bem a situação, seja na cenografia da escola repleta de cortinas vermelhas e bustos de ícones russos, seja nos pequenos costumes que revelam a burocracia vigente. O sentido mecânico de obrigação com que cada professor deseja os pêsames a um senhor num velório é o mesmo sentido com que dividem cigarros com os camaradas. Mas quando o diretor Xhuvani termina de colocar todas essas variantes, tem dificuldade em seguir, em desdobrá-las, em resolvê-las. Desta forma, a partir da metade do filme, tudo aparenta ser apenas uma infinita repetição.
Os conflitos se revelam superficiais. Os maus são muito maus, os bons são irritantemente caridosos, pacíficos e irrepreensíveis. Aliás, o balofo secretário-chefe da escola não é apenas o Mal burocrático encarnado. O roteiro faz questão de desautorizá-lo a cada momento. Se um aluno falha numa lição, ele repreende - mas falha ele também na correção da lição. Se um professor mantém relações secretas com outra, ele novamente repreende - mas mantém o seu caso também. Isso tira, evidentemente, todo tipo de sutileza que a história lançava tão bem no princípio. Aquilo que teria potencial documental investe, mais e mais, numa narrativa anedótica, maniqueísta e esquemática de carochinha.
Se estruturalmente o filme não oferece bons desdobramentos, o tema proposto dá linha a várias discussões. Já sabemos o destino da Albânia. Com a abertura econômica na década de 90, surgiram as chamadas "pirâmides de investimento": esquemas fraudulentos que prometiam lucros de até 300% aos seus poupadores. Mas o trator das especulações financeiras passou por cima da economia albanesa. Quem investiu nunca recebeu o retorno. Com a quebradeira, lojas foram saqueadas, jovens começaram a pegar em armas. Como se não bastasse, a Guerra do Kosovo na fronteiriça Iugoslávia mandou mais meio milhão de refugiados à Albânia, incapaz de zelar nem mesmo pelos seus compatriotas.
A culpa dessa desgraça não é apenas dos comunistas, claro. Mas nos serve como alerta, já que o país era visto nos tempos de Enver Hoxha como modelo de democracia pelos esquerdistas brasileiros. Ditaduras são sempre pavorosas. Mas é preciso prestar igual atenção aos meios mais escamoteados de persuasão dos países livres, hoje confundidos com marketing político e manipulação da mídia. Afinal, tomadas as obrigatórias proporções, "espetáculo do crescimento" não deixa de ser um slogan pedregoso também.