Não se deixe iludir pelas linhas gerais do filme espanhol Sexo Por Compaixão (Sexo por Compasión, 1999), estréia na direção da atriz Laura Mañá. A história da senhora bonachona que, depois de ser abandonada pelo marido, passa a saciar o desejo dos desesperados, tem mais de questionamentos religiosos e morais do que, simplesmente, de pastelão erótico.
A trama até insinua um tom descompromissado em seu começo. Num tristonho vilarejo, Dolores (Elisabeth Margoni, dentro daquele padrão “Toula Portokalos” de sensualidade) passa por uma situação inusitada. Seu marido, Manolo (José Sancho), foge de casa devido ao excesso de bondade da esposa. De fato, a benevolência de Dolores, a Caxias da cidade, chega a ser enervante. Preocupada, a mulher procura o confessionário local, mas acaba enxotada pelo padre: “Como pode chorar por um homem daquele? Só volte aqui quando tiver pecado de verdade!”.
Tudo muda quando, certo dia, um forasteiro, homem traído, aparece no bar em que Dolores trabalha. Choroso, se diz dividido entre perdoar ou não a esposa infiel. Claro, boas intenções em primeiro lugar, Dolores sugere que o estranho experimente também um caso extraconjugal, para então fazer um julgamento devido. E se oferece para consumar a relação. Depois da suadeira, o homem não sai apenas satisfeito, mas também de espírito renovado e conceitos revistos - que mal há nos anseios da carne, enfim. Ao perguntar o nome da sua redentora, Dolores pontua: “Lolita”.
O ocorrido motiva um sem-número de senhores carentes a procurar a nova Lolita. Sem condições de negar caridade aos coitados, a mulher começa a atravessar maratonas, sempre num apertado quartinho do bar, e sempre com um inegável sorriso no rosto, depois de cada boa ação. E a cidade agradece.
A partir daí, as opções diante de Sexo por Compaixão se abrem em direções bem diversas. A receita desanda justamente quando, em meio ao caldo de abordagens, a diretora Laura se decide por várias delas, numa mistura inconstante. Escolhe o realismo fantástico (a película, em preto e branco, fica colorida de acordo com os humores dos cidadãos), o humor negro e a crítica social. Transmite um discurso ora libertário (sexo comunal é justo e saudável), ora machista (as mulheres da cidade não podem reclamar de Lolita, uma vez que seus maridos agora são muito mais felizes). E apresenta uma reviravolta após a outra, numa frequência sem fim.
Herdeira de uma tendência histórica do cinema espanhol, a do erotismo revestido pelo kitsch e pelo provocativo, Laura Mañá não compartilha da mesma categoria de um Pedro Almodóvar, o paradigma de toda a atual geração de realizadores do país. Fica, a grosso modo, em equivalência a um Álex de la Iglesia (A comunidade, 2000). Mas ainda precisa muito para chegar a um Julio Medem (Lucía e o sexo, 2001), por exemplo. Pode ser uma questão de amadurecimento, uma vez que Sexo por Compaixão erra nos detalhes, peca ao se deslumbrar com a própria proposta, sem se autopoliciar.