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Os dois personagens principais são palhaços ilusionistas de circo, mas daria no mesmo se fossem arquitetos anarquistas ou travestis mórmons. Isso porque o drama húngaro Sensação colossal! (Vilagszám!, 2004) pega a desbotada premissa da guerra-que-separa-as-pessoas e não faz com ela nada de particular - ou que se preste a um festival de cinema digno.
Róbert Koltai, co-roteirista e diretor do filme, interpreta Naphtalene, irmão gêmeo de Dodo (Sándor Gaspar). Nos números do circo, como na vida real, Dodo é o esperto e Naphtalene, o atrapalhado. As diferenças não os aborrecem, porém. Os dois foram criados desde pequenos como uma dupla inseparável sob o picadeiro.
Transcorrem os anos pós-Segunda Guerra, da dominação soviética na Hungria, décadas de 50 e 60. Numa certa apresentação, os irmãos fazem graça aos camaradas russos presentes na platéia. A mágica em questão é aquela de quebrar um relógio de pulso na cara do dono e, em seguida, mostrá-lo inteiro e funcionando de novo. Naphtalene, porém, foge do arranjo acertado com um espectador falso. Acaba pedindo ao camarada-mor soviético que doe seu relógio para o número. Quando Dodo, sem saída, arrebenta o objeto de vez - "Talvez o tempo de vocês tenha se acabado", brinca com fogo - acaba preso. Naphtalene, o atrapalhado, sozinho, fica sem saber o que fazer.
O cerne do filme está nessa dramática separação de gêmeos. Claudicante, Naphtalene arranja emprego de contra-regra num teatro chapa-branca húngaro. Dodo, na prisão, mantém as esperanças de ser solto, de voltar para perto do irmão e para os braços de sua amada, Lizi (Anna Györgyi). Não é nada original, percebe-se. Até a sugestão da conexão psíquica - aquela coisa do irmão fora da prisão sentir o sofrimento do gêmeo preso - entra na fórmula.
Esse esquematismo não chega a ser a deficiência principal. Até mesmo uma obviedade pode ser concisa e coerente. O caso é que Sensação colossal! - termo que o pai dos gêmeos, herói do circo, repetia sempre depois do "Respeitável público..." - começa a atirar para todos os lados, sem saber como se defender no tiroteio narrativo.
Filme-de-estrada, suspense de guerra, comédia pacifista, superação da influência paterna, libelo pela liberdade artística, paixões impossíveis entre idades distintas, triângulos amorosos... Com exceção de alguns tempos-mortos no trecho em que Naphtalene tenta resgatar Dodo, fiapo de linearidade, o resto do filme é fragmentado em situações inconclusivas, sem um norte certo. Na trama tudo se mistura e nada se resolve.
Some a isso as limitações dos atores (Koltai e Gaspar se parecem gêmeos de verdade nesse ponto; os dois atuam com as sobrancelhas), a dublagem tosca (desnecessária, já que o filme é quase todo encenado em plano-médio e close-up, o que facilita a captação de som direto) e o orçamento magro demais para um filme de guerra (em cena aparecem dois pares de tanques; de onde saem tantos tiros?) e tem-se um programa que, vale dizer de novo, não paga o ingresso de uma Mostra de Cinema de São Paulo.