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Em 1976, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa, os quatro baianos-pilares da MPB, tinham o que comemorar.
Eram doze anos do primeiro show em conjunto, o histórico Nós, por exemplo, ainda na Bahia, que seria seguido pelas carreiras solo de sucesso, quando se mudaram para o Sudeste. Caetano e Gil tinham voltado do exílio imposto pela ditadura anos antes. E o tropicalismo já estava, de certa forma, sedimentado na produção musical brasileira.
A reunião foi sugestão de Bethânia, de longe a mais low profile dos quatro. O grupo se reuniria em um show especial, percorrendo o país em turnê. Eram épocas de egos não tão inchados, fator que facilitava a comemoração em conjunto. Quase uma reunião familiar.
Quase, pois - como Gil faz questão de pontuar - os baianos em questão não têm nada de bobos. Mais que uma simples reunião, o show era, inevitavelmente, um grande produto para a mídia. O espetáculo virou disco duplo e, antecipando a febre dos DVDs documentais de hoje, foi transformado também em filme pelo diretor Jom Tob Azulay.
Na época, se o rock americano e inglês já tinham uma tradição de décadas de documentários, a música brasileira carecia de registros oficiais. Nesse ponto, o filme de Azulay já se torna histórico, por acompanhar os quatro músicos pela turnê, gravando os shows, a reação da platéia e os movimentos de bastidores.
Musicalmente, a fase Doces Bárbaros marca uma reviravolta na carreira dos artistas, principalmente para Caetano e Gil, recém-chegados da Europa. A fúria tropicalista fora abrandada de forma dissimulada pela experiência e pelo espírito hippie, e o repertório do show relê principalmente influências da música brasileira e africana.
A grande fama de Os Doces Bárbaros, porém, não vem só pelo registro musical de ponto tão importante da carreira do grupo.
Menos de duas semanas depois da estréia do espetáculo em São Paulo, Gilberto Gil e o baterista Chiquinho Azevedo são presos pela polícia de Florianópolis por porte de maconha. É aí que o filme muda de tom.
A detenção interrompe a turnê, criando uma polêmica nacional. A gravação detalha o acontecimento, com depoimentos do delegado e de policiais, que descrevem com prazer a emboscada, fazendo ecoar a ditadura militar. O julgamento de Gil também é mostrado, com o cantor magérrimo e de visual hippie admitindo abertamente que "gostava de maconha". Gil e Chiquinho são condenados e levados a um hospital psiquiátrico, para tratamento contra o vício. A turnê seria retomada depois da libertação dos dois, chegando a bater recordes de bilheteria em sua fase carioca.
O filme de Azulay chegaria aos cinemas em 1978, retalhado pela censura ainda vigente, sendo praticamente esquecido nas décadas seguintes, sobrevivendo apenas em raras edições VHS. A cópia que volta agora ao circuito tem o som remasterizado e ganhou os minutos cortados, fazendo jus à sua importância.
Os Doces Bárbaros é um precioso registro da história da MPB, principalmente agora que seus protagonistas, com a honrosa exceção de Bethânia, tornaram-se sombras do que produziram no passado.