Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio foi um filme esquecível. Este problema – agravado pelo seu lançamento em 2021, ainda com a pandemia da covid-19 mantendo muitos cinemas a portas fechadas – talvez explique a decisão da New Line e Warner Bros. de produzirem Invocação do Mal 4: O Último Ritual, outro filme que lida com o envelhecimento do casal Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), mas que têm, desde o seu primeiro minuto, a ideia de uma despedida em mente.
Novamente dirigido por Michael Chaves, responsável pelos (péssimos) derivados A Freira e inexplicavelmente escolhido para suceder James Wan no comando da franquia, Invocação do Mal 4 é um filme possuído pelo desejo de honrar um legado. Essa responsabilidade pesa sobre a produção, que mostra o que ela declara ser “o caso que acabou com as carreiras dos Warren”, tanto na construção do roteiro quanto na direção, e os resultados são variados. Por um lado, temos o terceiro episódio seguido desta história sugerindo que Ed pode morrer a qualquer momento, uma ameaça cuja credibilidade foi vencida pela repetição com a qual ela é feita, e que precisa novamente justificar os riscos da investigação ao pautá-la numa infestação demoníaca que “não é como nada que eles viram antes.”
New Line Cinema
Tais slogans pouco fazem para dar ao filme essa sensação de clímax. Nada que acontece aqui gerará um impacto como o exorcismo do primeiro Invocação do Mal, ou parecerá mais perigoso do que Valak no segundo longa, mas os maiores problemas dessa abordagem estão nas longas cenas sobre o “drama” familiar dos Warren – sua filha vai casar, mas não consegue parar de ver espíritos; a saúde de Ed segue deteriorando; ninguém mais vai às apresentações deles em faculdades; etc – que procuram deixar o foco de O Último Ritual mais do que nunca firmado nos investigadores, e não nos assombrados.
É fato que essa franquia sempre foi interessada na ideia da família nuclear, especialmente como um contraposto à maldade demoníaca dos antagonistas. Mas, onde Wan conseguiu entrelaçar as personalidades de Ed e Lorraine com as interações, conversas e cuidados entre eles e a casa amaldiçoada da vez, Chaves e os roteiristas Ian Goldberg, Richard Naing, e David Leslie Johnson-McGoldrick dobram a aposta em retratar o dia-a-dia dos protagonistas. Até aí tudo bem, afinal de contas este é (supostamente) o último filme de Invocação do Mal. O problema surge quando o equilíbrio disso com o caso – e por tabela, as cenas mais assombrosas – é perdido.
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Prepare-se, por exemplo, para gastar muito tempo com Ben Hardy como Tony, o namorado/noivo de Judy Warren (Mia Tomlinson, talvez a sexta atriz a fazer esse papel – eu já perdi as contas), filha de Ed e Lorraine. Falando em Judy, o fato da garota ter uma sensibilidade ao sobrenatural semelhante à da mãe é um tema recorrente no longa, mas mesmo com toda a experiência dos Warrens os dois não imaginam que isso pode estar conectado ao demônio que eles encontraram no dia do nascimento da garota (o flashback que abre Invocação do Mal 4), e mesmo que Lorraine não acredite na menina quando ela garante que está bem, nada é feito sobre isso até que o roteiro permita, lá no terceiro ato.
São tropeços frustrantes, mas, felizmente, ainda há bastante em Invocação do Mal 4 para contrabalancear tudo isso. Se o roteiro sofre com a responsabilidade de concluir uma das franquias mais bem-sucedidas do terror moderno, a direção de Chaves responde ao desafio. O cineasta, que já cuidou de Invocação do Mal 3, ainda não se aproxima de James Wan na construção das sequências de terror intenso, mas evita aqui seus piores instintos, como se apoiar demais no CGI ou enfileirar susto barato após susto barato, e demonstra uma criatividade visual surpreendente na hora de encenar o medo. Uma determinada passagem por um hall de espelhos com Judy é, provavelmente, a melhor cena que ele já fez. O padrão não é alto, mas o resultado está em tela.
Semelhantemente, o visual dos espíritos e demônios da vez, e – talvez o mais importante elemento de horror neste filme – a forma como Chaves mapeia a casa da família assombrada (os Smurls, que passam a sofrer depois que um espelho velho e misterioso entra em seu lar, mas que nunca ganham uma identidade própria) ajudam a preparar o terreno para os últimos 30 minutos de O Último Ritual, onde, enfim, há uma atmosfera de desespero palpável. Por mais que o diretor seja incapaz de invocar algo como a cena das palmas no porão de Invocação 1, ou dos quadros em Invocação 2, essa reta final, quando chega, tem sua parcela de impacto. Pode não ser o suficiente depois de 100 minutos de espera, mas é um desafio digno de um último capítulo.
Acima disso tudo, claro, estão Patrick Wilson e Vera Farmiga. Entre erros e acertos, Invocação do Mal 4: O Último Ritual tem sempre um truque na manga, que é a química, o charme, o carisma e o calor emanado pelo casal principal. Seja com aqueles que ajudam, com sua família, ou um com o outro, Ed e Lorraine jamais parecem protagonistas genéricos de terror, e as atuações de Wilson e Farmiga carregam em si mais energia emocional do que qualquer drama fabricado pelo texto. Se a conclusão de Invocação do Mal tem algum peso, ele vem primariamente pela despedida de duas figuras eternizadas por este elenco.
No fim, é fácil ser grato por este filme. O carinho pelos Ed e Lorraine de Wilson e Farmiga merecia um adeus mais visto, mais comentado e mais bem-executado. Invocação do Mal pode não ter mais o mesmo poder com o qual começou, mas encontramos uma última bênção nesse encerramento.