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Crítica

A Invenção de Hugo Cabret | Crítica

Martin Scorsese volta a Méliès e Lumière no seu primeiro filme em 3D

16.02.2012, às 21H08.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H40

Dos cineastas surgidos em Hollywood nos anos 1970 que também atuavam como historiadores, críticos ou pesquisadores, como Peter Bogdanovich e Paul Schrader, Martin Scorsese é o mais célebre. Faz todo o sentido que o seu primeiro filme em 3D, a adaptação do premiado livro A Invenção de Hugo Cabret, remeta ao passado - e mostre que o cinema já usava efeitos tridimensionais nos anos 1890.

hugo cabret

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Depois da morte do seu pai relojoeiro, o protagonista Hugo (Asa Butterfield) passa a viver na Gare du Nord, a majestosa estação de trem em Paris cujos relógios o órfão acerta diariamente. Como herança, Hugo ganhou não apenas o talento com engrenagens miúdas, mas também um misterioso autômato, que o garoto tenta remontar com peças que ele rouba de uma loja de brinquedos na estação. Transcorrem os anos 1930 e ninguém desconfia que o deprimido dono da loja é, na verdade, o velho cineasta Georges Méliès (Ben Kingsley), mas isso Hugo logo descobre, quando o caminho dos dois se cruza.

Quem não conhece Méliès (1861-1938) terá em Hugo Cabret, antes de mais nada, uma tocante introdução aos filmes do diretor de Viagem à Lua (1902). Enquanto os irmãos Lumière, criadores do cinematógrafo, filmavam banalidades do cotidiano em seus curtas, Méliès, veterano do teatro de variedades, levou para o cinema seus espetáculos de ilusionismo. Com seus truques de montagem e encenação, o francês foi pioneiro não só nos efeitos visuais como originou, com sua produção de mais de 500 filmes, toda a ideia do cinema como uma fábrica de sonhos.

É por seu valor pedagógico que Hugo Cabret se destaca, com Scorsese usando o 3D para potencializar o efeito dos truques de Méliès no ótimo flashback que relembra o processo do mestre (como a ilusão do tanque de lagostas). Quando faz essa ponte entre o primordial (o cinema de proscênio, teatro filmado) e o novidadeiro (o 3D retrabalhando a sobreposição de camadas), o filme de Scorsese beira a epifania, a revelação.

Dois olhares

Há um segundo jogo duplo em curso, porém. Hugo Cabret lida com duas visões: a do cinema como artifício e fabulação, como substituição da realidade, cujo pai é Méliès, e a do cinema como registro do efêmero, do não-encenado, que observa e ambiciona flagrar o real - o cinema como concebido pelos Lumière. O cenário dessa segunda disposição é a estação de trem (o "tema" lumieriano essencial), que Scorsese elege como microcosmo de Paris logo na primeira cena: Hugo, alter-ego do cineasta, observa a estação de dentro do relógio menor e depois observa Paris do relógio maior. A sinédoque não poderia ser mais clara.

Hugo vê o flerte do guarda com a florista, dos idosos e seus cães, vê os órfãos perseguidos pela polícia - compreensivelmente, a Paris de Scorsese é a Cidade Luz mítica, dos apaixonados e dos pequenos delinquentes autodidatas - pelas frestas do relógio, como um projecionista enxerga um filme pela sua cabine (em certo momento, a luz intermitente e o barulho das engrenagens dentro do relógio são idênticos aos de uma saleta de projeção). Cinema é luz, tudo reflete luz neste filme, e Scorsese deve ter escolhido Asa Butterfield para protagonizá-lo porque, com seus olhos azuis gigantes, o menino talvez seja capaz de absorver mais dessa luz do que qualquer pessoa.

Mas que outra coisa faz Hugo além de observar? Há uma certa desimportância nos atos do personagem que o roteiro, talvez mais preocupado com a pedagogia (ou paternalismo?), não soluciona direito. Fica a impressão de que o "Hugo escada" - não inventa nada, mas faz funcionar; não sabe quem foi Méliès, mas acha alguém que saiba - nunca chega a tornar-se "Hugo protagonista" plenamente, capaz de interferir nas coisas que acontecem ao seu redor. Ele se encarrega dos relógios da estação, por exemplo, mas o roteiro não elabora nenhuma situação de crise entre trens e passageiros quando os relógios param de funcionar.

Talvez essa dificuldade em dar mais gravidade ao personagem venha daquele jogo duplo entre as visões de Méliès e dos Lumière. No início do cinema talvez houvesse uma separação, mas o século 20 aprendeu que essas duas visões não são excludentes - o olhar isento é uma utopia, todo registro tem seus artifícios, assim como existe verdade no ilusório. Enquanto observador neste filme, Hugo se encanta com tudo, talvez porque pense que possa permanecer assim, observando, sem macular nada. Na verdade, a capacidade de ver já implica a capacidade de transformar.

Hugo Cabret | Omelete Entrevista Chloë Moretz
Hugo Cabret | Omelete Entrevista Asa Butterfield
Hugo Cabret | Omelete Entrevista Ben Kingsley

Hugo Cabret | Trailer 1 | Trailer 2
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Nota do Crítico
Ótimo