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Filmes dramáticos sobre crianças quase sempre abusam do sentimentalismo. A obra torna-se lacrimogênea para conquistar o espectador. Ninguém pode saber (Dare mo shiranai, 2004) é uma grata exceção a esse formato. O diretor japonês Hirokazu Kore-Eda evita a comoção mesmo em cenas que poderiam facilmente virar verdadeiras cachoeiras. O argumento lembra os filmes neo-realistas italianos, mas com o acréscimo da tradição japonesa de conter emoções. Algumas tomadas chegam até a incomodar pela forma seca como são registradas pela câmera, lembrando um documentário. Mas é justamente isso que dá credibilidade à narrativa.
A produção foi baseada em um episódio real acontecido no Japão dos anos 1980, em que uma mãe abandonou seus filhos pequenos e sumiu. Eles simplesmente continuaram a tocar suas vidas sem que ninguém soubesse por um bom tempo. A história toda é centrada em Akira, um garoto de 12 anos. Já nas primeiras cenas, ele é visto chegando com sua mãe, Keiko, a um apartamento alugado no subúrbio de Tóquio - ambos carregando muita bagagem. Percebe-se que o menino está muito preocupado com três malas em particular, cujo conteúdo logo é revelado: três crianças (Kyoko, uma garota de 10 anos, Shigeru, um menino de 7, e Yuki, uma menininha de 4), seus irmãos. Logo nota-se que apesar de todos serem filhos de Keiko, são de pais diferentes.
As crianças ficam em casa o dia inteiro e o único que pode sair é Akira, para assim evitar que a proprietária do apartamento descubra a armação. Ele é responsável pela organização do lar e pela alimentação de seus irmãos. As crianças usam livros para poder estudar em casa, já que Keiko é contra matriculá-los na escola. Toda vez que ela se relaciona com algum homem, some por uns tempos, simplesmente abandonando as crianças, limitando-se a enviar dinheiro para as despesas.
Numa dessas aventuras, Keiko acaba sumindo de vez e Akira fica com a responsabilidade de tomar conta de sua família sozinho. Por já ter passado por essa experiência antes, quando quase foi afastado de seus irmãos, prefere não contatar à polícia. A partir de então, acompanhamos a luta de uma criança pelo sustento de seus irmãos menores. Conforme o dinheiro acaba, a luz e a água são cortadas. A situação vai ficando desesperadora, mas os pequenos enfrentam todos os percalços com otimismo.
O espectador mais atento irá decifrar as metáforas criadas pelo diretor para mostrar que apesar de felizes, a insegurança e a angústia estão presentes nas crianças. Kyoko dedilhando seu piano de brinquedo, por exemplo, revela o talento que ela nunca irá moldar. Hirokazu constrói ainda ocasiões em que os irmãos são simplesmente crianças: Akira assiste a outros garotos jogando videogame e, ao sair da loja, faz todos os movimentos como estivesse desviando dos obstáculos do jogo. Isso ressalta que por nenhum instante o objetivo de Hirokazu era construir uma história sobre abandono. Sua proposta é quase que poética, um retrato enfático do que é passar por tal situação. E isso é reforçado com uma trilha sonora sóbria, em que o violão é o responsável pela a pontuação das cenas.
Tudo isso só foi possível graças à atuação das crianças, com destaque para Yûya Yagira no papel de Akira, que levou a Palma de Ouro em Cannes no ano passado. Sua interpretação é corajosa e vem do coração, sem soar piegas.