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Crítica

Influencer de Mentira satiriza obsessões da geração zillenium

Retrato hiperbólico da sociedade contemporânea, longa de Quinn Shephard sobressai entre filmes de redes sociais

04.08.2022, às 09H41.

A nova comédia autoirônica de Quinn Shephard começa com um inusitado aviso de conteúdo: "Atenção: Conteúdo com luzes intermitentes, temas de trauma e uma protagonista feminina desagradável. Aconselha-se discrição". Não poderia haver apresentação mais precisa. Pautando questões de privilégio, saúde mental e a solidão da hiperconectividade, Influencer de Mentira não perde o humor em um conto perturbadoramente familiar do tempo presente.

Parodiando o ritmo frenético dos feeds, timelines e notificações das redes sociais, o longa acompanha a história da patética ascensão e queda de Danni Senders (Zoey Deutch), uma jovem aspirante a escritora insatisfeita com sua insignificância pessoal e profissional. Sem filtro ou qualquer noção da realidade, Danni lamenta ter perdido a experiência coletiva do 11 de Setembro por estar, à época, em um cruzeiro com seus pais, inspirando aversão no público logo de cara. Fracassada em suas tentativas de chamar atenção de seus colegas de trabalho e de seu crush influencer inatingível, Colin (Dylan O’Brien), a protagonista se convence de que conquistar seguidores nas redes sociais é a solução para todos os seus problemas. Ela então turbina seu perfil com uma sequência de fotos editadas de si mesma aproveitando toda a ostentação de um retiro para escritores em Paris. 

Tudo parecia estar indo conforme o plano, até que em uma manhã Danni é bombardeada por mensagens e ligações preocupadas de seus pais: notícias circulam pelo mundo dando conta de um atentado terrorista no Arco do Triunfo, minutos depois de uma postagem de Danni com uma foto no monumento. Admitir a farsa ou aproveitar as circunstâncias para catapultar os números de suas redes? Obcecada por consolidar seu status de influencer, ela opta pela segunda alternativa, promovendo sua imagem em cima de uma experiência de sobrevivência inventada. Por vezes apressada na resolução dos arcos da narrativa, a sátira faz uma denúncia um pouco vazia, mas sagaz, de uma cultura de exploração do trauma.

Apesar dos lugares comuns que atravessam a visão de Shephard no que diz respeito às contradições de nossa época, o que há talvez de mais refrescante na produção é a promessa anunciada pela própria protagonista no início da trama: não há arco de redenção para Danni. De fato, se o espectador é quase seduzido por um princípio de sensibilidade que parece ser aos poucos cultivado pela personagem de Deutch, rapidamente ela nos traz de volta a antipatia inicial com novas evidências de suas ambições e convicções absurdas. A experiência imersiva de Danni com a fama repentina confirma rapidamente que no mundo da Internet não há perdão.

Desinteressada de finais felizes, Shephard parece mais preocupada em propor um retrato hiperbólico da sociedade contemporânea e o faz em detalhes, como nas ocasionais doses de antidepressivos tomados pela protagonista entorpecida por sua própria ignorância. Embora sem se aprofundar de fato na subjetividade da personagem ou em boa parte das sérias questões levantadas ao longo do filme, confirma-se a hipótese lançada pela própria realizadora: Danni nada mais é do que uma mulher branca privilegiada que pensa ser a personagem principal da trama, que se desenrola revelando outras personagens com traumas talvez mais "verdadeiros", como é o caso da adolescente Rowan (Mia Isaac). 

Com um excelente trabalho de Mia Isaac e de Zoey Deutch - que também assina a produção do longa - e boas sacadas próprias a um legítimo produto de sua época, Influencer de Mentira distingue-se de alguns de seus semelhantes do subgênero dos "filmes de redes sociais" por sua leveza ácida e acerta ao deixar em aberto debates fundamentais de um pessimismo agridoce para as atuais gerações.

Nota do Crítico
Ótimo