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Glauber o Filme, Labirinto do Brasil | Crítica

<i>Glauber o filme, labirinto do Brasil</i>

04.03.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H15

Glauber o filme, labirinto
do Brasil
- Brasil, 2004
Documentário, 100 min.

Direção: Silvio Tendler
Roteiro: Silvio Tendler, Orlando Senna (consultor)

Elenco (depoimentos): João Ubaldo Ribeiro, Zuenir Ventura, Gustavo Dahl, Mario Carneiro, Helena Ignez, Cacá Diegues, Orlando Senna, Fernando Birri, Lino Miccichè, Pedro Del Picchia...

O desafio principal de Glauber o filme, labirinto do Brasil (2003) é apresentar o biografado às novas gerações. O documentário de Silvio Tendler consegue. Expõe o mito do cineasta Glauber Rocha em todas as cores berrantes de seu folclore particular e provoca no espectador jejuno a imediata vontade de conhecê-lo a fundo. Não à toa, no 36º Festival de Brasília, levou o troféu de Melhor Filme do Júri Popular.

Mas se você procura um documentário de estilo investigativo, que perfure o mito e tire de lá o Glauber Rocha real, o homem que tanto marcou o Cinema Novo, talvez outro documentário, Rocha que voa (2002), seja mais indicado - o seu diretor, Erik Rocha, também procura desvendar o pai que mal conheceu. Por sua vez, Glauber o filme se deixa atordoar pelo labirinto sem se preocupar em resolvê-lo. Trata-se, pois, de uma legítima e apaixonada homenagem.

Começo pelo fim

A plenitude do mito já surge nos primeiros minutos. O velório e o enterro de Glauber de Andrade Rocha (1939-1981) reúne centenas de pessoas, respectivamente, no Parque Lage e no cemitério São João Batista do Rio de Janeiro. Intelectuais como Darcy Ribeiro (1922-1997) discursam emocionados diante do povo em transe. É o melhor material de arquivo, filmado justamente por Tendler. Por isso, o diretor apelida o seu trabalho de filme-funeral. Foram vinte anos de espera e convencimento até que ele pudesse exibir tais imagens, enfim liberadas pela família de Glauber.

Em seguida, para equilibrar com a comoção, Tendler narra um episódio polêmico, um dos derradeiros do cineasta. Já doente, Glauber exibe o seu último filme, A idade da terra, no Festival de Veneza de 1980. A alta expectativa de um trabalho experimental frustrou os jurados, muitos abandonaram a sessão no meio. Depois de ser derrotado pelo Atlantic City de Louis Malle (1932-1995), o brasileiro organizou uma passeata. Gritava pelo megafone que o vencedor francês era um cineasta de segunda categoria, agente do imperialismo: "Eu faço o cinema do futuro e ele, uns filmezinhos comerciais!".

Testemunhos cativantes

A paixão pela controvérsia ganha a tela em várias outras entrevistas, boa parte garimpada no Centro de Documentação da Globo. Glauber o filme repassa a carreira do baiano desde a direção do curta O Pátio (1959) e a coroação com Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), aos 24 anos, até o exílio em Nova York, Chile, Cuba e Europa.

Nem sempre a vocação didática de Tendler - explícita na divisão por tópicos e nas toscas soluções computadorizadas - resulta eficiente. Se o filme reconstitui competentemente as filmagens nos anos 60, os anos de exílio são relembrados de forma superficial. Seria o caso, talvez, do diretor suprimir essas passagens mais obscuras, uma vez que a investigação não é o forte de sua narrativa, mas a emotividade.

O fato de Glauber o filme ser tendencioso não é, necessariamente, ruim. Pelo contrário, o caráter apaixonado do relato tem um espantoso poder cativante - presente nos testemunhos do escritor João Ubaldo Ribeiro (que relembra hilários casos na Bahia), do ator Hugo Carvana (as tensas tomadas em que Glauber gritava ordens colado em seu ouvido) e do artista plástico Manduka (que imita perfeitamente os trejeitos de Glauber em sua passagem por NY). Entrevistas com outros trinta diretores, atores, pensadores e amigos completam o quadro da nostalgia.

Ao final da jornada, depois de tantos depoimentos envoltos em reverência e saudade, compreendemos que seria quase impossível buscar a desmistificação. Isso fica claro quando Tendler pergunta ao compositor Jards Macalé: "Como você resumiria a importância de Glauber?". Colaborador na trilha sonora de O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1968) e arranjador de várias letras do cineasta, Macalé não sabe o que responder. A câmera enfoca o seu rosto pensativo durante uns trinta segundos de silêncio... e a pergunta fica sem resposta. É o momento mais eloqüente do filme.