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Garrincha - Estrela Solitária | Crítica

<i>Garrincha - Estrela solitária</i>

17.02.2005, às 00H00.
Atualizada em 01.11.2016, ÀS 18H01

Garrincha - Estrela solitária
Brasil - 2004
Drama - 110 min.

Direção: Milton Alencar
Roteiro: Rodrigo Campos, baseado em livro de Ruy Castro

Elenco: André Gonçalves, Taís Araújo, Henrique Pires, Alexandre Schumacher, Ana Couto, Romeu Evaristo, Eduardo Silva, Paschoal Villaboim, Creo Kellab, Roberta Rodriguez, Chico Diaz, Jece Valadão, Tatiana Merino, Marília Pêra, Miguel Falabella

É de se imaginar o que se passa na mente de certos cineastas brasileiros. No passado, a culpada pelos equívocos era sempre a falta de recursos. Hoje, essa desculpa já não cola mais, afinal, nos últimos anos, diversas produções de baixo orçamento chegaram às telas usando muita criatividade. Garrincha - A estrela solitária (2005), baseado no livro Estrela Solitária: Um brasileiro chamado Garrincha (Companhia das Letras), de Ruy Castro, é uma falta de respeito com o cinema nacional e com o lendário jogador brasileiro.

A vida real de Garrincha, cheia de personagens que ao mesmo tempo provocam risos e encantam, foi tão interessante que até parece ter sido tirada de uma peça de Nelson Rodrigues. O menino pobre que se tornou ídolo mundial de futebol com dribles desconcertantes. O homem que adorava uma bebedeira com os amigos. O bem dotado amante de várias mulheres. Uma pena que esses fatos apareçam jogados no filme, sem nenhuma substância. Da forma amadora e mambembe como as passagens de sua vida são mostradas, o espectador dificilmente consegue se empolgar com a história.

A narrativa começa em 1980, quando a escola de samba Mangueira homenageia Garrincha, que desfila em um carro alegórico especialmente preparado para ele. As várias facetas do jogador são mostradas a partir das lembranças de pessoas que lhe foram muito próximas e que o amaram de diferentes maneiras. A cada close de um novo personagem, começa o olhar distante e temos mais uma história do craque. Os escolhidos para apresentar as historietas do jogador foram Sandro Moreira, jornalista que acompanhou toda a sua carreira, Nilton Santos, companheiro no Botafogo e na seleção brasileira, Pincel e Suíngue, amigos das peladas em Pau Grande (RJ), Iraci, uma de suas amantes, e Elza Soares, que foi o grande romance da vida de Mané.

Pernas pra que te quero

André Gonçalves interpreta Garrincha, mas não convence. Mané era um cara parrudo e tinha as pernas tortas e grossas. André, além de magrinho, tem pernas muito finas. Ele até tenta compor o típico malandro do Rio de Janeiro, mas em nada lembra o craque. E as cenas em que ele aparece jogando futebol não emocionam e soam superficiais. Tanto que em todos os lances lendários de Garrincha, o diretor Milton Alencar Jr. opta pelas imagens de arquivo. André é usado apenas para mostrar os porres e relacionamentos sexuais do mito. E olha que são muitos! A cada dez minutos de fita, lá está ele fazendo sexo. Tudo bem que o craque colecionou várias amantes, mas incomoda um pouco ver aquele festival de bundas e peitos o tempo todo. O exagero chega a causar inveja às pornochanchadas do famigerado Carlo Mossy. Isso deverá elevar a censura do filme, tirando a oportunidade de várias crianças conhecerem um pouco de um dos maiores jogadores de futebol do mundo de todos os tempos.

As interpretações parecem saídas de um cursinho de teatro amador. Todos os atores dizem suas falas de forma decorada e sem vida. A única que se salva é a atriz Taís Araújo, criando uma Elza Soares digna. A cena em que agentes do DOPS invadem a casa de Mané provoca risos, lembrando os esquetes dos programas dos Trapalhões. Até aquela risadinha do vilão de desenhos animados escutamos saindo da boca do delegado. A maquiagem também é um horror. Os atores não envelhecem. No caso do ator Alexandre Schumacher, que interpreta Nilton Santos, chega a ser patético. Para mostrar o pesar dos anos, parece que simplesmente jogaram um pouco de talco em seus cabelos.

Um dos poucos acertos da produção é a trilha sonora do músico Léo Gandelman. Sua música enriquece as imagens, nos remetendo aos tempos do Canal 100. O resto presta um desserviço à biografia de Mané. A narrativa ainda dá a entender que seu declínio aconteceu devido a uma promessa feita a São Francisco e que Sandro Moreira não cumpriu. Antes da final da Copa de 1962, no Chile, Garrincha encontrou-se com Elza Soares em uma igreja e prometeu ao santo que colocaria a sua camisa no altar se ganhasse a Copa. No final da partida ele pediu ao jornalista que levasse a camisa até o altar. Sandro guardou a camisa sem o conhecimento de Garrincha e só cumpriu a promessa em 1980, depois de se sentir culpado pelo estado do craque.

O pior é que todas essas questões não são explicadas e resolvidas. O espectador mais curioso sairá do cinema precisando pesquisar para poder entender a vida do craque. O filme não apresenta os motivos do alcoolismo, a necessidade do craque de se relacionar com várias mulheres ao mesmo tempo, quantos filhos teve, sua paixão avassaladora por Elza Soares e nem a causa de sua morte. Infelizmente, a verdadeira força do filme reside apenas nas imagens de arquivo de suas brilhantes jogadas. E isso já existe no sensacional documentário Garrincha - A alegria do povo, feito por Joaquim Pedro de Andrade em 1963.

Nota do Crítico
Regular