Filmes

Crítica

Alexandre | Crítica

<i>Alexandre</i>

13.01.2005, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H17

Alexandre
Alexander
EUA, 2004
Drama/épico - 176 min.

Direção: Oliver Stone
Roteiro: Oliver Stone, Christopher Kyle e Laeta Kalogridis

Elenco: Colin Farrell, Jessie Kam, Connor Paolo, Elliot Cowan, Robert Earley, Anthony Hopkins, Angelina Jolie, Val Kilmer, Christopher Plummer, Jared Leto, Patrick Carroll, Rosario Dawson

Alexandre III da Macedônia, dito "Magno" ou "o Grande", é uma das figuras mais impressionantes da História.

Em sua curta vida (faleceu na tenra idade de 33 anos), ele venceu inúmeras batalhas, criando um império que se extendia da Grécia à Índia, e, no processo, espalhou a cultura grega pelo mundo, tornando-se então um dos principais arquitetos da civilização ocidental. Sua vida é repleta de feitos incríveis (mesmo a mais burocrática biografia de Alexandre Magno é mais empolgante e movimentada que muitos romances de aventura) e foi objeto de estudo de muitos dos maiores escritores da antiguidade (e diversos escritores modernos), que analisaram a fundo seu polêmico comportamento, que podia variar entre o sábio e o brutal, entre a mais pura racionalidade e a emoção incontida, mas que mantinha sempre uma constante: Sua coragem em batalha e a sede de descoberta e conquista.

Com tudo isso, Alexandre deveria ser uma escolha óbvia para protagonizar épicos do cinema, certo? Errado! Fora uma falha e esquecida superprodução dos anos 50, a atribulada vida do grande conquistador nunca rendeu um filme! Levando em conta quantos longas já foram feitas em torno de outros grandes nomes da antiguidade (como Júlio César ou Átila, o Huno), isso é absolutamente incompreensível! Agora o polêmico diretor Oliver Stone decidiu aceitar o desafio de levar a vida do conquistador helênico às telas, mas será que a produção está à altura da grandeza do protagonista?

A resposta é não. Mas por quê? Bem, para justificar isso é preciso explicar como o filme conta a história do soberano.

A produção começa com um envelhecido Ptolomeu (Anthony Hopkins, burocrático) ditando a história de seu antigo amigo e regente para seus escribas (Ptolomeu realmente escreveu uma biografia de Alexandre, que se perdeu no incêndio da biblioteca de Alexandria). É através de suas reminiscências que nós acompanhamos a vida do conquistador desde sua infância, marcada pelas desavenças entre seu pai - o soberano da Macedônia Felipe II (Val Kilmer) -, e sua mãe - a manipuladora sacerdotisa Olímpia (Angelina Jolie, em papel que deveria ser de uma atriz bem mais velha...) -, até sua morte, como senhor do mundo conhecido.

Com tanto terreno a percorrer, é óbvio que Stone precisa deixar alguns detalhes de lado e, no processo, ele omite toda a vida de Alexandre entre sua adolescência e a batalha de Gaugamela (o auge de sua carreira de general, quando ele vence definitivamente o imperador persa Dario)! Isso é equivalente a fazer uma biografia do presidente Lula que passe direto de sua adolescência até sua posse como presidente da república! Muita coisa importante fica de fora (a fundação de Alexandria, o primeiro embate com Dario, a famosíssima história do Nó Górdio) e, embora o filme arrisque um flashback próximo ao final para mostrar alguns detalhes essenciais, a essa altura todos os espectadores que não têm um conhecimento razoável de história já perderam o fio da meada. Um erro imperdoável e incompreensível.

Mas a falha mais séria está no ator escolhido para viver Alexandre. Colin Farell simplesmente não consegue convencer ninguém como grande consquistador. Tudo bem que o roteiro não ajuda, afinal, mostra um Alexandre incompreensivelmente fraco e inseguro (o homem que arrastou um exército por meio mundo, comandou seus homens com pulso de ferro e lutou na linha de frente em todas as suas inúmeras batalhas, fraco? Sei...), mas Farell piora a situação com uma total falta do carisma necessário ao papel e uma atuação nada grandiosa.

Para agravar ainda mais a situação, Stone não perdeu a oportunidade de inserir suas manias particulares na produção. No "universo Stone" tanto Felipe quanto Alexandre foram mortos por complexas conspirações e a batalha dos macedônicos contra as forças indianas do Rei Poro e seus elefantes de guerra foi travada em uma improvável floresta tropical no melhor estilo vietnamita (literalmente! A cena foi gravada na Tailândia!). Isso é, no mínimo, dispersivo e um sinal claro de que este talvez não fosse o filme mais indicado para Stone fazer.

Por fim, deve ser mencionado o elemento mais polêmico do filme. Antes de mais nada, é preciso lembrar que a maioria dos historiadores considera, tendo como base uma boa gama de evidências, que Alexandre era bissexual e que o grande amor de sua vida foi provavelmente seu companheiro de armas Hefastion (Jared Leto). Na produção, o personagem aparece exatamente nessa condição, o que faz do filme talvez o primeiro grande blockbuster com um protagonista que tem um relacionamento abertamente homossexual! Porém, essa ousada e louvável inovação acaba criando outro dos grandes defeitos da fita, já que Alexandre é mostrado quase que exclusivamente como um homossexual, sem que seja levado em conta seu também considerável apetite sexual pelo sexo oposto. Historicamente, o conquistador viveu uma grande paixão pela sua primeira esposa, a bela Roxane (Rosario Dawson), e se casou por interesse político outras duas vezes (fato que é mencionado muito rapidamente no filme e só serve para confundir ainda mais o público). Ironicamente, é com Roxane que ocorre a única cena de nudez e sexo do filme, provando que Stone, apesar da ousadia, ainda sabe muito bem para que público se destina o seu filme...

Ainda assim o filme tem qualidades. Apesar da interpretação um tanto errônea dos fatos (que resultou no Alexandre bundão que aparece choramingando nas telas entre seus companheiros), Stone mostra uma fidelidade insuspeita à história registrada, algo incomum e louvável nestes tempos de Gladiadores e Tróias! Ele também não poupa nos cenários grandiosos, figurinos impecáveis e, principalmente, na reconstituição da batalha de Gaugamela, que resulta numa das melhores adaptações que o cinema já fez de uma batalha real da antiguidade, não devendo nada aos melhores embates da trilogia O Senhor dos Anéis e humilhando os anêmicos combates de Tróia. Além disso, existe o mérito extra da batalha ter sido realizada majoritariamente com legiões de atores ao invés de figuras de computador! Um feito nada desprezível que ajuda a equilibrar a grande quantidade de problemas do filme.

O problema é que ao final de seu longo tempo de projeção (quase três horas) a fita deixa a sensação de ter sido ao mesmo tempo cansativa e insuficiente. Tendo um das figuras mais "filmáveis" da História nas mãos, Stone preferiu se perder em digressões sobre sua vida pessoal e suas inseguranças, em vez de mostrar sua interessantíssima carreira. Pior: Ao tentar julgar uma figura do passado distante com os olhos do presente ele criou um Alexandre asséptico e politicamente correto (!), bem diferente do passional, obsessivo e, por vezes, brutal conquistador dos livros de História. Ao seguir na contramão de Hollywood (que costuma romancear mais a vida algo monótona da maioria das figuras históricas que aparecem em suas produções), Stone fez um filme que não está à altura da grandeza da personagem que decidiu retratar.

Nota do Crítico
Regular