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Há uma certa paranóia em Hollywood hoje em dia. Suspenses são fechados à vácuo, com todas as suas pontas minuciosamente amarradas, explicadas. Ninguém mais é inocente, todos são conspiradores. Acabou o acaso.
Imagine se em Janela indiscreta (1954) o personagem de James Stewart estivesse com a perna engessada graças a um acidente proposital. O causador, então, saberia que ele teria que ficar em casa e que olhar pela janela seria algo inevitável. Assim, tudo o que ele presencia seria uma armação, algo causado para que ele se envolvesse, numa provável vingança de algo que ele fez no passado. Se Janela Indiscreta fosse um filme do século 21, provavelmente ficaria desse jeito, com personagens difíceis de se relacionar, afinal, boa parte dos humanos comuns não tem esqueletos no armário tão terríveis que justificariam uma conspiração vingativa. Alfred Hitchcock, o diretor de Janela, era genial, entre outras coisas, justamente por saber disso e colocar o público no centro do problema.
Sydney Pollack, o diretor do recente A intérprete (The interpreter, 2005), não é um Hitchcock, mas tem em seu currículo thrillers excepcionais, como A firma (1993) e Três dias do Condor (1975). Esperava-se que seu novo trabalho recuperasse as glórias passadas, mas não foi o caso. Apesar da direção competente, o roteiro cai justamente nos problemas que abrem este texto. A necessidade de explicar, amarrar demais, torna tudo inverossímil, anti-climático.
Não precisava ser assim. A seqüência de abertura - um dramático extermínio num estádio de futebol abandonado - é excelente, assim como duas ou três cenas que combinam ação e suspense. A melhor delas, ótimo exercício de edição e direção, acompanha agentes secretos seguindo dois suspeitos em locais diferentes e tem uma conclusão extremamente bem pensada. Sozinha, ela resulta muito mais interessante que qualquer reviravolta do fraco texto.
Descontadas essas cenas, o filme se apoia praticamente na íntegra nas interpretações dos compententes Nicole Kidman (Reencarnação) e Sean Penn (21 gramas). Ela vive uma intérprete que trabalha na Organização das Nações Unidas que, inadvertidamente, ouve uma conversa secreta entre dois homens que planejam matar o ditador de uma nação africana acusado de genocídio e limpeza étnica. Penn interpreta o agente da segurança nacional encarregado da segurança do político e, para tanto, precisa descobrir se ela está falando a verdade ou se tem algum interesse escuso na situação.
O outro grande personagem na trama é a sede da ONU em Manhattan, Nova York. Buscando autenticidade, Pollack conseguiu a inédita permissão para filmar um longa-metragem dentro do edifício, território internacional. E fez bom uso plástico da autorização, gravando a construção de todos os ângulos imagináveis. Mas é curioso notar que o país causador de todo o problema do filme, Matobo, não existe. Pelo visto a necessidade de autenticidade do diretor não é tanta assim, afinal, a produção prefere se esconder atrás de uma confortável nação fictícia a dar nomes aos bois.
No final, a impressão que fica é a de que o projeto foi uma mera desculpa para as gravações na ONU. Pelo menos Pollack parece ter se divertido. Há diversas fotos dele posando no edifício no site oficial do filme.