Uns com tanto, outros com tão pouco. 20 centímetros (2005) brinca com um assunto que é verdadeiro tabu para os homens. Na história, Adolfo (Monica Cervera) é um transexual que sonha em fazer uma operação para mudar de sexo. O problema é que ele é dotado de um membro avantajado, daqueles de dar inveja aos machões menos favorecidos. Mas o que seria perfeito para uns, para Adolfo é mero pedaço de carne inconveniente.
O travesti, conhecido pelo nome de Marieta, mora num pardieiro com o anão Tomás e às vezes toma conta do filho de sua vizinha, o pequeno Paulito. À noite sai para ganhar a vida nas ruas e, ironicamente, o membro indesejado é justamente o que garante o seu sustento. Além de tudo, ela ainda sofre de narcolepsia, doença que a faz cair no sono a qualquer momento. Toda vez que ela adormece, sonha com musicais de cenários grandiosos, hollywoodianos, com dezenas de dançarinos e coreografias elaboradas. O tema dessas montagens oníricas: coisas que ela deseja ou vive.
As cenas musicais são divertidas e bem elaboradas. Caçoam de filmes e clipes musicais famosos. São avacalhadas e originais e têm muitas vezes como cenário a realidade degradante em que essas figuras se encontram. Músicas como Tômbola, I Only Wanna Be With You e uma referência à música Thriller de Michael Jackson, na qual Marieta se transforma em uma vampira flutuante, fazem parte da história. Destaque para a cena final em que o travesti canta I Want Break Free (Queen).
Além desses musicais, o diretor Ramón Salazar também insere cenas ridículas em seu filme. O resultado faz rolar de rir. Há uma específica em que Marieta está em um carro acompanhada por dois clientes. Enquanto um se masturba, ela deve fazer sexo anal com o outro, mas de repente cai no sono no meio do ato e mais um musical se inicia. Há outra em que seu namorado a leva para sua casa, para conhecer sua família. Porém, ao ficarem sozinhos no quarto, rola um clima e a vizinha, na janela em frente, observa aquela figura pseudofeminina possuindo aquele rapaz másculo de quatro. Ao perceber que estão sendo observados, Marieta tenta desesperadamente fechar a persiana, sem se desgrudar do rapaz.
Esse conteúdo poderia até chocar, mas não resulta tão ofensivo, pois é colocado geralmente em um contexto engraçado. O problema de Adolfo, por exemplo, é tratado de maneira superficial, engraçada. O diretor não tem a menor intenção de transformar seu filme em uma complicada questão emocional.
Enfim, Salazar criou uma grande salada apetitosa ao juntar musicais de Hollywood, neo-realismo e o jeito kitsch de Almodóvar, usando uma narrativa muito cômica. Colocando dessa forma, até parece uma viagem regada a ácido, mas a trama funciona muito bem. Tecnicamente a produção é um deslumbre. Mas talvez Salazar não tivesse conseguido acertar em cheio, se não fosse por um elenco recheado de gente esquisita e principalmente por Monica Cervera. Ela deu vida, brilhantemente, a uma Marieta bizarra, conseguindo ser até mais extravagante que atriz Rossy de Palma, que faz uma participação especial no longa. Se no futuro as pessoas serão mesmo todas bissexuais, como dizem, Monica não terá problema algum com isso, imagino.