Não demora muito para Gravidade ganhar um quê de outro mundo. Não estamos falando do suspense espacial visceral de Alfonso Cuáron, mas sim do primeiro longa-metragem de Leo Tabosa, diretor pernambucano com experiência em curtas. Antes mesmo de acontecimentos bizarros e sobrenaturais atravessarem a tela, percebemos que há algo de estranho na mansão habitada pelo quarteto protagonista durante uma noite apocalíptica.
Ao longo dessa noite – uma que, ao menos antes da luz acabar, era marcada por notícias no rádio e TV sobre tempestades solares e revoltas populares –, Nina (Hermila Guedes), sua mãe Sydia (Clarisse Abujamra), a doméstica Joana (Marcélia Cartaxo) e, visitando aquela casa a convite de Joana (no pior momento possível), Lara (Danny Barbosa) se deparam com elementos curiosos, como uma rachadura na parede que vai aumentando e aumentando, e aparições inexplicáveis, como a de um misterioso homem rondando a propriedade. Mais desafiador que isso, porém, é lidar com os segredos e feridas que vêm à tona quando o passado da família que ali habita começa a assombrá-las.
Gravidade
Gravidade tem a ambiciosa proposta de espelhar o ruir dessas pessoas com o ruir do mundo. A conspiracionista Nina vem há anos tendo um pesadelo onde a gravidade cessa, e está crente que a tempestade solar responsável por derrubar sinal de celular, desligar as luzes e – de alguma forma – manter a Terra numa longa noite é apenas o começo disso. Em paralelo, porém, profecias apocalípticas parecem tomar forma, e os gritos de um pastor pentecostal pregando o apocalipse na rua em frente àquela casa começam a ganhar contornos assustadoramente precisos.
Se tudo isso está realmente acontecendo, ou se o microcosmo daquela casa – uma mansão com ar de decadência antes mesmo da comida começar a estragar – está se manifestando de alguma maneira ilustrativa, não importa. Gravidade gera um senso ímpar de atmosfera. Mais de uma vez, enquanto assistia, pensei em descrever o filme como opressivo. Bebendo do terror e se beneficiando largamente do jogo de luz e sombras da fotografia de Petrus Cairy, Tabosa evoca uma verdadeira vibe. Nos sentimos tão enclausurados quanto as personagens.
Gravidade
É uma pena, então, que o filme não trabalhe bem esse elenco. As atuações, em especial a performance vaidosa mas vulnerável de Abujamra, estão lá, mas quando Gravidade se vê obrigado a dar respostas sobre o que aquilo tudo significa, o que outrora era misterioso ganha tons de um drama familiar básico. Nina e Joana se vêem presas como rascunhos de mulheres, quase caricaturas, e o arco de Lara logo se revela como previsível. Se, por um lado, a proposta do filme ao dar dimensões escatológicas para aqueles relacionamentos desperta um grande potencial, a execução descobre limitações no texto.
Logo, fica claro que quaisquer elementos fantasiosos se limitam à função de alegoria. Uma mitologia fascinante eventualmente se contenta em funcionar como um sincretismo – parte Apocalipse Bíblico, parte mudanças climáticas, parte purgatório – que serve apenas as metáforas interessantes ao diretor. Como resultado, as boas atuações ganham ar de degraus, todos levando a um clímax que sublinha o principal equívoco de Gravidade: às vezes, é melhor só deixar as coisas no ar.