Cena de Everybody's Talking About Jamie (Reprodução)

Filmes

Crítica

Everybody’s Talking About Jamie acerta onde outros filmes LGBTQIA+ erraram

Musical britânico encontra a fórmula perfeita para trazer histórias queer para o mainstream

15.09.2021, às 16H45.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H47

Eis o “problema” com filmes como Com Amor, Simon e A Festa de Formatura: eles são bonzinhos demais. Afogados em suas boas intenções de apresentar personagens LGBTQIA+ ao público mainstream de maneira palatável, mostrando como eles são “seres humanos como qualquer outro”, esses longas os colocam, inadvertidamente, em prisões de virtuosidade - não permitem que eles sejam reais, falíveis -, e jogam fora a oportunidade de contar uma história de verdade sobre eles.

Porque histórias são feitas de conflitos, e personagens são construídos através de seus erros, sejam eles seguidos por redenção ou não. O primeiro grande acerto de Everybody’s Talking About Jamie, que chega ao Prime Video na sexta-feira (17)é criar um protagonista LGBTQIA+ que é fabuloso e confiante, sim, mas também impulsivo e incerto sobre sua própria identidade, marcado irreversivelmente pelos incidentes de preconceito no seu passado e no seu presente - um adolescente gay comum, afinal. “Eu não sei quem sou”, diz Jamie (Max Harwood) em certo ponto do filme. “É claro que não! Você tem 16 anos!”, rebate o mentor Hugo (Richard E. Grant).

O segundo grande acerto do filme é entender que a história (real, diga-se de passagem) de Jamie, e a história de qualquer pessoa LGBTQIA+, não precisa ser de assimilação. Ela pode, ao invés disso, ser uma história de liberação - o que posiciona a aceitação alheia não como um objetivo a ser alcançado, mas como um direito a ser reclamado. Everybody’s Talking About Jamie não é um filme revolucionário, mas se recusa a colocar o protagonista em uma jornada para convencer aqueles ao seu redor que ele merece ser respeitado. O respeito não é uma conquista, não é opcional - é o mínimo que se deve exigir.

No filme, acompanhamos o jovem Jamie enquanto ele tenta realizar o seu sonho: se tornar uma drag queen. Nesse caminho, com a ajuda inestimável da mãe (Sarah Lancashire, brilhante como sempre) e da melhor amiga (Lauren Patel, uma revelação), ele enfrenta as próprias dúvidas, um pai (Ralph Ineson) que virou as costas para a família por causa da sexualidade do filho, uma professora (Sharon Horgan) perdida na rigidez das próprias regras, e um bully (Samuel Bottomley) tipicamente inoportuno.

O script de Tom McRae (Doctor Who), adaptado do seu próprio musical teatral, é afiadíssimo. Cada número musical está aqui para mover a trama adiante, revelar cores diferentes dos personagens, ou simplesmente dar ao diretor Jonathan Butterell uma chance de fazer algo um pouco mais ousado. Da mistura de artes plásticas e referências a Madonna em “Work of Art” ao mix de cenas de arquivo e filmagens caseiras de “This Was Me”, passando por “Over the Top”, uma marcha militar entoada por drag queens, o filme nunca se cansa de servir surpresas saborosas.

E a produção das canções é moderna, sim, mas a estrutura e a função narrativa delas não mentem: este se trata de um musical, no sentido mais puro da palavra. Na melhor veia do seu protagonista, Everybody’s Talking About Jamie sabe muito bem que algumas pessoas vão odiá-lo de qualquer forma, e não dá a mínima para isso.

Nota do Crítico
Ótimo