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Crítica

Como RRR, Detetive Chinatown 4 usa blockbuster para expurgar injustiça histórica

Ambientado em 1900, novo filme injeta energia ideológica inédita à franquia bilionária

4 min de leitura
16.05.2025, às 06H00.

Créditos da imagem: Chow Yun-fat em cena de Detetive Chinatown: O Mistério de 1900 (Reprodução)

Entender o discurso político por trás de um blockbuster pode parecer um exercício entediante, mas no fim das contas é só sobre fazer duas perguntas: Quem eles estão tentando apaziguar? E quem eles estão tentando inflamar? No decorrer do século desde a popularização do cinema, Hollywood passou por inúmeras fases discursivas nesse sentido - durante a 2ª Guerra e além, foi usada como ferramenta de recrutamento militar e atiçadora de sentimentos patrióticos; dos anos 1960 a 1980, teve seu papel na exposição dos horrores do Vietnã e no desmonte do Sonho Americano, mexendo o pote do ressentimento hippie; em seguida (e um pouco ao mesmo tempo), anabolizou os já anabolizados ares de excepcionalismo e individualismo que se espalharam pelo país na era Reagan.

Enfim, você entendeu: o cinema-pipoca sempre foi, no fundo, uma maneira de conter ou ampliar as chamas de certo sentimento social, a depender de se os representantes do status quo do momento o identificam como perigoso ou útil. E é nessa mesma lógica que entra um filme como Detetive Chinatown: O Mistério de 1900, quarto capítulo da franquia de comédia chinesa que se provou um sucesso de proporções estratosféricas durante a última década. Juntos, os três filmes anteriores da saga arrecadaram mais de US$ 1.2 bilhão de bilheteria ao redor do mundo, o que obviamente transformou essa nova continuação em uma ferramenta poderosa de discurso social aos olhos da indústria.

Muitas escolhas criativas evidenciam esse status. Mais super produzido do que nunca, este quarto longa serve mais como spin-off do que continuação: enquanto os três Detetive Chinatown anteriores se passavam em diferentes países nos dias atuais, e mantinham os mesmos dois protagonistas, aqui somos transportados para a San Francisco do começo do século XX e acompanhamos novos personagens - embora interpretados pelos mesmos Wang Baoqiang e Liu Haoran, atores que viraram a cara da franquia. A volta no tempo é desculpa para centrar a trama da vez no conflito racial muito real que se desenhou entre imigrantes chineses e o estabelecimento político dos EUA nessa época (o Ato de Exclusão Chinês, citado muitas vezes pelos personagens, é uma lei real que permaneceu em voga até pelo menos 1943).

Daí que o roteiro de Chen Sicheng, o mestre de marionetes por trás de Detetive Chinatown desde o primeiro filme, injeta na fórmula da franquia uma veia ideológica inédita: O Mistério de 1900 é uma comédia de ação com valores de produção suntuosos sobre uma dupla improvável trabalhando em conjunto para resolver um crime, sim, mas é também uma condenação potente da falha inegável do discurso de “liberdade e justiça para todos” sobre o qual os EUA pretendem ser fundados. Também diretor ao lado de Dai Mo (Jornada Sem Fim), Sicheng não se preocupa em ser sutil com sua mensagem - assim como não se preocupa em ser sutil na bajulação ao governo chinês, leonizando os sentimentos revolucionários de personagens que buscam financiar, mesmo de longe, as forças anti-monarquistas em seu país.

Intenções valem menos do que efeitos, no entanto. E Detetive Chinatown: O Mistério de 1900 tem um efeito curioso no público ocidental da atualidade - um público, importante lembrar, que segue enterrado até o pescoço na areia movediça hollywoodiana. Nos últimos anos, os corredores do poder nos grandes estúdios (como reação a um público inquieto diante das vicissitudes do capitalismo tardio) têm ditado que os blockbusters precisam se fundar em um discurso de aparência progressista, mas conteúdo apaziguador. Não à revolução, e sim ao progresso. Não ao desmembramento das instituições, e sim à confiança na moralidade inerente que as guia. O Mistério de 1900, por se propor a expurgar as injustiças sofridas pelos chineses diante desse sistema ocidental, que mente para eles sobre os próprios princípios a cada oportunidade, se choca contra essa conversa de maneira violenta - e energizante.

É algo parecido com o que aconteceu em RRR, o épico indiano cujo sucesso global Hollywood fez questão de absorver e transformar em um trend de dança inofensivo, mas que na realidade é um espetáculo embebido de sentimentos anti-colonialistas. O Mistério de 1900 não é um pedaço de cinema-pipoca tão plenamente realizado quanto o filme de S.S. Rajamouli, mas ainda tem amplos charmes para conquistar um público carente de comédias extravagantes, ou filmes de ação com o espírito maníaco de um desenho animado do Looney Tunes. É um filme grande, luxuoso, novelístico, potente… e profundamente anti-americano. Uma combinação que não se vê com frequência.

Nota do Crítico

Detetive Chinatown: O Mistério de 1900

Tang tan 1900

2025
138 min
País: China
Direção: Sicheng Chen, Mo Dai
Roteiro: Sicheng Chen
Elenco: White-K, John Cusack, Baoqiang Wang, Chow Yun-Fat, Haoran Liu