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Crítica

Desde Allá | Crítica

Uma jornada rumo ao nada

RF
02.11.2015, às 22H50.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 11H02

Ao ser laureado com o Leão de Ouro do Festival de Veneza, em setembro, se tornar o primeiro filme venezuelano a ser contemplado com um dos mais distintos troféus do cinema mundial, Desde Allá, do diretor estreante em longas-metragens Lorenzo Vigas, despertou vaias de uma carta ala da industria audiovisual, em repúdio a um suposto nepotismo intercontinental.

O júri era presidido pelo realizador mexicano Alfonso Cuarón (Gravidade), um ferrenho defensor de seus conterrâneos de América Latina nas telas. A escolha do drama de veias homoafetivas dirigido por Vigas em detrimento de obras mais maduras de mestres como o italiano Marco Bellocchio (Sangue do Meu Sangue), o israelense Amos Gitai (Rabin, The Last Day) ou o russo Aleksandr Sokurov (Francofonia) soou como um exercício de protecionismo, sobretudo pelo prêmio de direção também ter sido outorgado a um cineasta hispano-americano: o argentino Pablo Trapero por (aí sim um filmaço inquietionável) O Clã. Pode-se dizer que as suspeitas sejam um rasgo de preconceito do Velho Mundo contra a América hispânica, mas ele só existe porque Vigas entregou a Veneza um longa cheio de fragilidades, que, sob um véu de arrogância – a arrogância de um certo cinema mais cerebral, avesso a emoções – , disfarça inverossimilhanças e travas narrativas. 

Diplomado em Biologia Molecular e depois graduado em Cinema, numa formação que lhe permitiu realizar (com galhardia) o curta-metragem Los Elefantes Nunca Olvidan, em 2004, Vigas faz filmes com o intuito de entender o conceito de paternidade na realidade das nações latinas: em nosso continente, o pai é, muitas vezes, ausente, social e afetivamente. Desde Allá aborda esse tema sob dois prismas. De um lado, há um homem maduro, com aparência de 50 e muitos anos, para quem o pai é uma chaga. Do outro, há um rapaz jovem que encontra nesse cinquentão um misto de parceiro sexual e pai. Do garoto, só se conhece mesmo a mãe, que o rechaça ao notar que ele possa não corresponder ao padrão de masculinidade hispânica. 

Na tela, Vigas arquiteta um jogo de totó entre os sentimentos desses dois corpos - só corpos, pois, como personagens, eles jamais ganham a tridimensionalidade esperada para ganharem vida a nossos olhos. Viajamos por Caracas acompanhando o protético Armando (o titã chileno Alfredo Castro, muso do diretor Pablo Larrain, de filmes como No) em seu desejo silencioso pelo jovem Eder (papel de Luis Silva). Este é um pivete com “P”, avesso a ordens e a conselho, que só quer saber de dinheiro e de uma namoradinha. Mas, no desamparo de uma metrópole sem Lei e de uma família sem estrutura, ele acaba se aproximando de Armando mais do que esperava, vendo nele não mais um banco a lhe garantir uns tocados e sim num abraço quente, um abrigo. 

Vigas dispensa músicas. Nem nos créditos há lugar para elas. No máximo, numa festa, dá para se ouvir um canção ou outra, enquanto os protagonistas dançam. É no vácuo de ruídos, de barulhos, que uma aproximação de carnes, peles e suores se dá. Mas a opção do diretor de narrar esse encontro de maneira distanciada e desapaixonada tira a credibilidade do envolvimento entre Armando e Elder e torna quase caricato o modo como os dois lidam, cada um à sua maneira, com seus débitos domésticos. E a atuação de Silva prejudica ainda mais a confiança no que esta sendo narrado. Mesmo Castro, que é um ator de talentos variados, parece achatado na tentativa de conter o dique de vontades e desejos de Armando. 


A aposta de Vigas em uma abordagem quase descritiva, de músculos documentais, esvazia a esfera amorosa da história que conta. A fotografia de Sergio Armstrong, em igual esforço para alcançar a isenção em sua visão para o universo ao seu redor, desperdiça a complexidade de Caracas como um microcosmos geopolítico. É na montagem de Isabela Monteira de Castro que o filme preserva algum ritmo, e nos leva a uma instância inesperada de surpresa. Mas em nome de uma fé na razão, Vigas troca o que poderia ser uma virada por uma solução decepcionante. Faz, portanto, um filme gélido, que pouco reflete a paisagem a seu redor ou a alma de seus “heróis” numa jornada rumo ao nada.

Nota do Crítico

Ruim
Rodrigo Fonseca