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Crítica

Crítica: Uma Canção de Amor

Coprodução entre Tunísia e França fala de cisões religiosas em um período conturbado

03.09.2009, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H52

Parte de uma premissa interessante o drama Uma Canção de Amor (Le Chant des Mariées, 2008). Em 1942, na Tunísia, em plena Segunda Guerra, o exército nazista toma as ruas e coopta os muçulmanos a se colocar contra os judeus franceses. A rivalidade já natural entre os tunisianos nativos, de maioria islâmica, e os franceses colonizadores acaba inflamada pela tensão da guerra.

uma canção de amor

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No meio disso tudo há a amizade de duas garotas, a judia Myriam (Lizzie Brocheré) e a islâmica Nour (Olympe Borval), cujos casamentos em breve acontecerão, ambos em condições dramáticas - daí o título original da coprodução entre França e Tunísia, "o canto dos casados".

Premiada em Cannes pelo roteiro de seu primeiro longa-metragem, A Pequena Jerusalém (2005), a diretora Karin Albou, descendente de argelinos, não recua com este seu segundo longa. Pelo contrário, Albou (que no filme interpreta a mãe de Myriam) entra com a câmera num hammam - a sauna pública típica do Oriente Médio - e filma o banho de uma dúzia de mulheres nuas, incluindo ela própria. Numa época em que a França proíbe burquinis nas ruas, não deixa de ser um manifesto eloquente.

O despudor com que Albou trata seus temas, aliado à evidente autoridade que tem sobre eles (e nesse ponto ela não facilita para o público estrangeiro; é importante pegar sutilezas como as mudanças de idioma num mesmo diálogo, por exemplo), é a força de Uma Canção de Amor. Se é preciso mostrar uma depilação de partes íntimas com cera para ilustrar a violência que significam os termos "à ocidental" ou "à oriental", que seja. O simbolismo desses termos fala mais alto.

Repete-se no filme o todo tempo que "estamos em plena guerra", como se isso justificasse contingências morais, mas no fim Uma Canção de Amor mostra que maus remendos sociais são feitos independentes do contexto - como o noivo que sangra a pele da mulher para fingir aos familiares na noite de núpcias que ela ainda era virgem. A Segunda Guerra só existe no filme para despertar um problema anterior a ela. Aliás, é por isso que a maioria das tropas nazistas só é filmada de costas, marchando, à distância. As botas são um mero acompanhamento sonoro de dramas outros, seculares.

Ainda que a edição da montadora Camille Cotte imprima um ritmo descompassado à narrativa - faltam planos de transição, salta-se rapidamente de um evento a outro e por vezes eles não se fixam - a mensagem de Karin Albou é clara. Em meio a tantos dogmas e tantas divisões sociais, falta quem, como Myriam e Nour, encare a religião, com seus cânticos e suas preces, como expressão de uma coletividade sem preconceitos.

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Nota do Crítico
Ótimo