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Crítica

Crítica: Um Sonho Possível

História real do jogador de futebol americano Michael Oher é o "feel good movie" da vez

06.03.2010, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H59

Um Sonho Possível (The Blind Side, 2009) chegou aos cinemas sem grande expectativa ou alarde e, aos poucos, conquistou números de bilheteria inesperados para seu gênero e algumas indicações ao Oscar. No entanto, ficava a interrogação: por que um filme aparentemente tão inexpressivo estava concorrendo ao prêmio de Melhor Filme do ano? Existe nele algo mais que uma história de superação pelo esporte?

Um Sonho Possível

Um Sonho Possível

Um Sonho Possível

Logo nos primeiros minutos de projeção, a decoradora e ex-cheerleader Leigh Anne Tuohy, personagem de Sandra Bullock, explica o título original do longa, um termo derivado de táticas do futebol americano. Como é um esporte tão distante de nosso cotidiano, a explicação se faz pertinente, já que o termo "blind side" servirá de premissa para toda a história: quando um quarterback destro se prepara para um passe, o atacante esquerdo de seu time deve proteger seu lado cego, que seria como o ponto cego de um carro, de um ataque do time oponente. Esta explicação também já assinala claramente os dois núcleos da narrativa, já que normalmente este atacante tem um porte físico bem definido pela altura e força, características presentes no problemático adolescente Michael Oher, o Big Mike, interpretado na medida certa por Quinton Aaron.

Big Mike é negro, obeso e filho de uma mãe viciada, que não consegue combinar a preocupação de sua próxima dose ao cuidado com os filhos. Marcado pela rejeição, Big Mike cresceu pulando de um lar adotivo para o outro sem nunca encontrar acolhimento verdadeiro. Os vários traumas de sua infância fazem com que ele pareça um grande vazio intransponível. Ele finge indiferença e burrice, beirando aparentar deficiência mental - mecanismos de defesa psicológica contra mais traumas. Quanto menos envolvimento ele tiver com o que acontece ao seu redor, menor será a dor.

Sua vida começa a mudar quando seu pai adotivo do momento decide matriculá-lo em uma escola particular cristã. Mesmo sem notas suficientes para acompanhar o currículo rígido do colégio, ele é admitido pela possibilidade de render algumas vitórias esportivas e também pelo argumento cristão da caridade. No colégio, ele cruza o caminho da família Tuohy, o mais perfeito exemplo do sonho americano: Leigh Anne é a mãe, uma perua rica, mas consciente e de valores cristãos; seu marido, Sean (Tim McGraw), é um ex-jogador de basquete que, ao deixar a carreira por uma lesão, comprou vários restaurantes da franquia de fast-food Taco Bell e vê o dinheiro entrar sem muito esforço; e seus dois adoráveis filhos: a insossa adolescente Collins (Lily Collins) e o espevitado S.J. (Jae Head).

Ao encontrar Big Mike sozinho na rua em uma noite fria, Leigh Anne decide simplesmente levá-lo para sua casa e dar-lhe uma cama, comida e basicamente tudo que ele nunca teve: uma família estruturada. Compreendemos o passado sofrido do garoto mesmo sem as cenas de violência - desnecessárias, uma vez que as feridas emocionais estão impressas no corpo do ator. Os Tuohy então o acolhem, acreditam em seu potencial e incentivam seu desempenho nos esportes, pagam uma professora para que ele melhore na escola e, assim, Big Mike vislumbra a possibilidade de cursar uma universidade e jogar futebol americano profissionalmente. Como força motriz deste processo de superação está Sandra Bullock, lutando até quando o próprio Big Mike  pensa em desistir. Vemos a atriz em uma performance entregue e evoluída, mas coerente com a carreira que trilhou até aqui; uma boa atuação dramática, mas sem deixar de ser Sandra Bullock.

Com a direção nada original de John Lee Hancock, que inocuamente segue as regras de um drama hollywoodiano, o filme é tocante, mas beira o artificial - ele é feito para atingir o emocional do espectador. Temos aqui uma história de amor. Não o amor romântico vivido tantas outras vezes nas telonas, mas sim um amor altruísta, que está disposto a se doar ao próximo sem esperar nada em troca. Assim, é compreensível o sucesso que o filme fez nos Estados Unidos, ainda mais sabendo que é baseado na história verídica do atual atacante dos Baltimore Ravens, contada no livro The Blind Side: Evolution of a Game. Um Sonho Possível encontrou em seu público aquele lado que acredita no Bem maior, mas não tem a coragem de agir com as próprias mãos. Então é mesmo mais fácil projetar em Leigh Anne Toughy as esperanças de uma humanidade caridosa e altruísta e sair do cinema acreditando que realmente é possível ajudar o próximo.

O filme estreia no Brasil em 19 de março.

Nota do Crítico
Regular