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Crítica

Crítica: Tokyo!

Três curtas prestam uma homenagem nem tão lisonjeira à capital das vidas expressas

28.09.2009, às 00H00.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 20H00

Partiu de produtores japoneses a ideia de fazer Tokyo!, longa formado por três curtas, no formato do hoje clássico Contos de Nova York (1989). Mas, ao contrário do filme nova-iorquino, aqui os diretores não são japoneses - e, longe de homenagear a cidade, eles trabalham com a imagem desabonadora que muita gente faz de Tóquio: uma capital cuja pressa, imediatismo e gigantismo desumanizam seus habitantes.

"Interior Design"

O primeiro segmento, "Interior Design", de Michel Gondry (Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança), é baseado no curto quadrinho Cecil and Jordan in New York, de Gabrielle Bell. Na HQ, uma jovem se muda com o namorado para Nova York e vai se sentindo progressivamente mais inútil - até que se transformar em uma cadeira. Gondry mantém a ideia e só muda o endereço.

Casa muito bem, antes de mais nada, o estilo de Gondry de transformar situações cotidianas em realismo fantástico com a propensão natural de Tóquio de viver em um estado etéreo todo próprio. O diretor não precisa, por exemplo, interferir nos engravatados que dormem no metrô com as cabeças caídas sempre para o mesmo lado - a cena é surreal por si só.

Dito isso, o curta-metragem parece ser o formato ideal não só para essa história em particular como também para as ambições de Gondry. Ótimo para conceber criativos argumentos mas deficiente, frequentemente, na hora de manter o pique de um longa, o francês faz aqui as suas analogias esperadas - como os embrulhos de presente versus os apartamentos-caixotes - e demonstra seu virtuosismo característico com efeitos especiais. Quando as firulas parecem se esgotar, já está na hora de encerrar o filmete mesmo.

"Merde"

Dos três curtas, o de Leos Carax (Os Amantes de Pont Neuf), francês que não rodava há nove anos, é o mais agressivo com a cidade. Na trama, um tipo estranho (Denis Lavant) parecido com um leprechaun sai dos esgotos e passa a atacar os transeuntes na calçada, comendo dinheiro e batendo cinzas de cigarro em carrinhos de bebê. Quando ele encontra granadas abandonadas nos esgotos, datadas da Segunda Guerra, e decide usá-las na superfície, o tipo estranho é preso e depois levado a julgamento pelo massacre.

Carax se aproveita da fixação japonesa pela tecnologia da imagem (vemos os ataques da criatura por câmeras, celulares, pela TV, e depois seu julgamento por vários quadros simultâneos) para criticar justamente o que se esconde de tantos olhos: o passado "subterrâneo" de envolvimento do país com os nazistas. Não por acaso, o tipo estranho se alimenta da flor que representa a família imperial japonesa (além de comer dinheiro), que levou o país à guerra pelo Eixo.

É uma forma cruel de jogar a história na cara das pessoas, sem dúvida, e Carax desafia limites o tempo inteiro: explora à exaustão tanto a idiotia do humor físico do "leprechaun" quanto o conceito da câmera sempre presente. Não dá pra dizer que fez um curta só pra cumprir tabela, mas da mesma forma é possível argumentar que "Merde" não passa de uma perda de tempo.

"Shaking Tokyo"

Estrelado por Teruyuki Kagawa (o pai de Sonata de Tóquio), o curta de Bong Joon-ho (O Hospedeiro) é o único da trinca que dá à cidade algum alento - por isso mesmo, deve ter sido reservado para o final. Trata de um hikikomori, nome dado em japonês aos eremitas urbanos, uma das muitas particularidades de Tóquio. O personagem de Kagawa há uma década se afastou do convívio social. Só interage com entregadores de comida, ainda assim sem contato visual - até o dia em que lhe aparece uma entregadora de cinta-liga (o fetiche com lolitas é outra particularidade da cidade, você sabe).

O notório domínio da ação de Joon-ho flerta aqui com o maneirismo - a fotografia que parece fazer a luz de fora invadir a casa do hikikomori, a voz pausada de Kagawa explicando a metodologia de sua rotina, as posições e os ângulos de câmera multiplicando a geometria das estantes e das pilhas do homem só. O diretor entende do que faz, e mais uma vez, como em O Hospedeiro, cisca com a ficção científica (os botões da entregadora remetendo aos androides da cultura pop nipônica) e com o drama sem optar por um gênero apenas.

tokyo

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Seria muita maldade dizer que os franceses são uns misantropos que observam à distância a cidade, enquanto o sul-coreano Joon-ho, pela própria proximidade geográfica, é o único aqui que entende o drama dos japoneses?

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Nota do Crítico
Bom