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Crítica

As Quatro Voltas | Crítica

Onde está o seu deus agora?

20.12.2012, às 20H00.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 02H03

Este é mais um daqueles textos evasivos. Prepare-se!

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le quattro volte

le quattro volte

Qualquer tentativa de racionalizar As Quatro Voltas (Le Quattro Volte, 2010) será meio ineficiente. Primeiro, porque vai tirar aos poucos deste filme italiano sem diálogos o seu encanto. Segundo, porque é o tipo de experiência emocional livre de discursos que tende a gerar em cada espectador uma reação diferente.

Comecemos do óbvio. O título já adianta que o segundo longa-metragem do milanês Michelangelo Frammartino lida com ciclos. Estamos numa vila de arquitetura medieval no meio das montanhas da Calábria, no sul da Itália, onde se pastoreia cabras e onde tradições como a encenação na rua d'A Paixão de Cristo se repetem religiosamente com as estações do ano. Se há algum potencial cômico ali, é lúdico, à moda Jacques Tati: filme a fachada de uma casa e espere a gag virar a esquina.

As Quatro Voltas não é exatamente um filme sem diálogos. Escutam-se murmúrios de oração, vozes ao longe. As pessoas que ali vivem, numa velocidade toda própria, parecem prescindir de novos entendimentos - se não conversam, é porque não precisam. Acontece que mesmo na mais previsível das situações ocorrem os acasos. A beleza do filme é mostrar como as coisas tendem a se rearranjar mesmo quando afetadas por esse acaso.

Pode chamar de Grande Ordem do Universo, de Hakuna Matata, do que quiser. A morte é sempre uma casualidade, e não é por causa dela que a vida vai deixar de existir. As Quatro Voltas recorre a suficientes imagens católicas (a peça, o pastor, a igreja), afinal estamos na Itália, para permitir que se faça uma interpretação religiosa do filme, mas o fato é que os milagres estão por todos os lados - e reconhecê-los não exige um credo, necessariamente.

A sinfonia de sinos, o desenho das nuvens, o maior pé de sebo do mundo, o nascimento do carvão, o cofrinho de um homem, o mistério dos caramujos, a fumaça que poliniza... Nunca a expressão "Deus está nas pequenas coisas" fez tanto sentido, mesmo para quem Nele não acredita. Falando em expressões, sempre que alguém lhe disser que determinado filme é "uma celebração da vida", fuja, é roubada na certa. A não ser que o filme seja As Quatro Voltas.

As Quatro Voltas | Trailer

Nota do Crítico
Excelente!