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Crítica: Morgue Story - Sangue, Baiacu & Quadrinhos

Peça em homenagem aos filmes B faz o caminho contrário e se arrisca no cinema

06.10.2009, às 13H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H53

Sucesso em festivais de teatro e no circuito paranaense desde 2004, a peça Morgue Story - Sangue, Baiacu & Quadrinhos, da Cia. Vigor Mortis, é contemporânea e conterrânea de A Vida é Cheia de Som e Fúria, montada pela primeira vez em 2000 pela Sutil. As duas companhias curitibanas falam à geração que cresceu crendo que, mais do que suas ideias, são seus gostos - musicais, cinematográficos, pop de modo geral - que a definem.

morgue story

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No caso de Morgue Story, os filhos de Nick Hornby encontram os de Robert Rodriguez. Nada mais natural, já que assimila referências várias do cinema B, que a peça tentasse uma adaptação para as telas, com roteiro, direção e edição de Paulo Biscaia Filho, que havia concebido a versão do tablado. O elenco principal também é o mesmo: Mariana Zanette, Anderson Faganello e Leandro Daniel Colombo.

A voz da história é a de Ana Argento (Zanette), quadrinista que leva à plenitude a prática hornbiana do name dropping - e pede que seu carrasco conte quais são os filmes preferidos dele antes de violentá-la. Mas antes disso... Ana havia conhecido num bar o crente Daniel (Colombo) sem desconfiar que se tratava de um médico semi-necrófilo, com planos haitianos para a moça. Tudo correria como o Dr. Daniel planejava se não desovassem no seu necrotério um vendedor de seguros cataléptico, Tom (Faganello).

O cenário principal é o morgue em que o médico se encontra com Ana e Tom, tentando se livrar de um desmorto e comer a outra. Ali o texto ligeiro tenta se conciliar com uma construção visual - e ainda que muitos diálogos preservem uma teatralidade, a edição dá alguma agilidade à encenação. A estrutura do roteiro ajuda: idas e voltas no tempo e repetições de ações, por pontos de vista diversos, ajudam a arejar um filme que, se ambientado apenas no necrotério, se esgotaria mais rápido.

O domínio que o trio tem de seus personagens é outro fator que evita maiores ruídos na transposição do teatro para o cinema. Quando a coisa aperta, Biscaia só precisa procurar Daniel Colombo em cena - os trejeitos do ator, equilibrados entre a consciência do humor e a entrega dramática, são dignos dos grandes intérpretes de terrir.

No geral, Morgue Story satisfaz amantes de comédia absurda e do gore (concentrar a sangueira no final é uma boa sacada), com seu visual riscado de película vencida, cores desbotadas à la Rodriguez e suas inverossimilhanças (nem todos reagem ao suco de baiacu do mesmo jeito). O diálogo principal que o filme mantém, porém, é mais específico: com o indie que, entre outras coisas, gosta de gore.

Morgue Story foi feito com ele e para ele: indie come mal (macarrão sem molho), veste-se de um jeito particular (vendedor de seguro de All-Star?) e esnoba outros da sua linhagem (a quadrinista que destrata os fãs). Não falta no filme de Biscaia nem a obrigatória versão cool de uma música brega: "Wuthering Heights", de Kate Bush. Indie também coloca seus gostos acima das ideias, e resta aceitar que ele prefira assim.

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Nota do Crítico
Bom