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Crítica

Crítica: Maradona

Emir Kusturica faz um documentário pessoal-filosófico que aceita o jogador como mito

26.09.2009, às 12H00.
Atualizada em 16.11.2016, ÀS 22H06

A certa altura de O Passageiro - Profissão Repórter (1975), quando o personagem de Jack Nicholson tenta entrevistar o líder rebelde Achebe, este responde: "A sua pergunta revela muito mais sobre você do que minha resposta revelaria sobre mim". É o mesmo princípio que pontua, do começo ao fim, o documentário Maradona - que em inglês se chama, apropriadamente, Maradona By Kusturica.

maradona

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O filme começa não com o maior ídolo do futebol argentino (e que no filme é tido como o maior jogador de todos os tempos), mas com a banda de Emir Kusturica, a No Smoking Orchestra, comparando no palco o guitarrista e cineasta iuguslavo com Diego Maradona, para logo em seguida Kusturica, na narração em off, traçar paralelos entre a vida do jogador e alguns eventos narrados em seus filmes - como o sujeito que morre e retorna à vida em Gata Preta, Gato Branco (1998), associando-o à crise cardíaca que quase matou o argentino em 2004.

Desde esse começo Kusturica planeja uma homenagem que não tem nada de isenta, mas um relato personalista de um fã do jogador (e que visivelmente tem prazer nos gols que a "colonial" Argentina fez sobre a Inglaterra "imperialista" na Copa de 86). Quando a câmera se volta para o filho de Emir, o baterista Stribor Kusturica, só consegue perguntar: "E aí, ansioso para encontrar deus?". Encantado com o perfil de rebelde-marginalizado do documentado, com quem os ciganos dos filmes do diretor de fato se identificam, Emir só assiste para Diego chutar.

Uma vez entendido que essa tietagem é uma premissa, dá pra reparar mais nos insights que Kusturica alcança no seu texto em off e nas suas imagens, no decorrer do filme. Cineasta de idealizações, de fantasias, o iuguslavo tenta entender e explicar Maradona comparando-o a divindades gregas, a arquétipos do teatro... Não é, em outras palavras, um exame clínico desse argentino-modelo - que sobrevive hoje de lamentar ou se gabar dos velhos tempos de boleiro, enquanto reclama da política do continente - mas de um exame filosófico, quase metafísico.

Não por acaso, Kusturica pontua momentos-chave da narrativa com um paralelo com a Igreja Maradoniana - culto de fãs do jogador que realiza até cerimônias de casamento dentro de campo. Quando o caminho normal de um documentarista seria driblar esses misticismos para tentar encontrar o Maradona "verdadeiro", um utópico caminho de dentro para fora do objeto de estudo, Kusturica faz o oposto: aceita o mito como sendo o Maradona real, de fora para dentro.

É por isso que cenas como a perseguição de fãs e da mídia numa visita a Nápoles, por exemplo, ou os golaços, ou as músicas sobre Maradona que se entoam na rua ou em karaokês, são a expressão mais real do que ele é e representa. Releve toda a militância chavista-castrista. Kusturica abraça a patacoada ideológica de carona no ídolo, mas ao mesmo tempo seu entendimento do que é ser um ícone da imagem e uma lenda popular é bastante certeiro.

Aliás, isso já estava dito desde a epígrafe que abre o filme, de Charles Baudelaire: "Deus é o único ser que, para reinar, sequer precisa existir".

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Nota do Crítico
Bom