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Crítica

Crítica: Ervas Daninhas

Aos 87 anos, Alain Resnais prova que iconoclastia não tem idade

24.12.2009, às 11H00.
Atualizada em 12.11.2016, ÀS 19H01

Iconoclastia não tem idade. Aos 87 anos, Alain Resnais comete em seus filmes infrações contra a burocracia instituída do roteirismo que muitos estreantes não teriam coragem de cogitar. Em Ervas Daninhas (Les Herbes Folles) ele não vai tão longe na desconstrução como foi, por exemplo, em Ano Passado em Marienbad, para ficar na cinematografia mais consagrada do mestre francês, mas ainda assim é sempre muito bom partilhar de suas provocações.

ervas daninhas

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Aqui, a trama começa e a câmera do diretor de fotografia Eric Gautier passeia de plano-detalhe em plano-detalhe. A especialidade de Gautier, capturar momentos com seu zoom veloz e exato, é plenamente aproveitada em Ervas Daninhas. Por alguns minutos sequer enxergamos o rosto dos dois protagonistas: Marguerite (Sabine Azéma), uma senhora dentista, solteira, de selvagens cabelos vermelhos, que acaba de ter sua bolsa furtada, e Georges (André Dussollier), o homem de idade, pai de dois filhos, de boca cerrada e dentes pequenos, que encontra e devolve os documentos da mulher.

Resnais começa a jogar com as expectativas dos romances parisienses, com seus neuróticos enamorados à primeira vista, quando Georges é impelido a perseguir Marguerite depois de ter devolvido-lhe os documentos. Ele é rechaçado. Depois recua. E finalmente passa a ser procurado por ela, que mudou de ideia quanto à atração que sente pelo misterioso Georges. Relações de causalidade à parte, ou mesmo qualquer racionalidade à parte, Ervas Daninhas é tocado adiante na base desses impulsos.

Em uma cena, a mulher de vermelho fica de tocaia esperando Georges sair do cinema - onde ele fora, obviamente, dada a famosa cinefilia da geração de Resnais, assistir a um filme antigo hollywoodiano de gênero. Marguerite pega ele na saída e Georges reage na lata: "Quer dizer que você me ama, então?". Essa facilidade com que "todos dizem eu te amo" vira, nas mãos de Resnais, material para comédia afiada sobre a imagem que na França se faz das paixões.

A certeza de que Ervas Daninhas trabalha com um esperto simulacro - uma cópia do mundo criado no imaginário das histórias de amor francesas - reside nas escolhas de câmera (planos ironicamente cafonas de grua, panorâmicas...) e na aberrante paleta de cores do filme. É como um Pedro Almodóvar por Resnais: o já citado cabelo vermelho, carros amarelos, neon por todo lado, meias-luzes a torto e a direito, película com esfumaçados meio Technicolor que lembram outro filme recente do diretor, Beijo na Boca, Não!.

Nesta sua época da maturidade, Alain Resnais parece cada vez mais interessado em revisitar, de forma crítica ou simplesmente cômica, as regras que regem gêneros diversos. Ervas Daninhas tem música de suspense, clima neo-noir, humor nonsense, drama familiar, cartela falsa de "The End" antes do fim, até a vinheta clássica dos filmes da 20th Century Fox (que não tem nada a ver com a produção do longa). Ao mesmo tempo em que domina formalmente o ofício, o cineasta experimenta como um enfant terrible.

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Nota do Crítico
Ótimo