Filmes

Crítica

Crítica: Chéri

Stephen Frears conta outra história, com ecos na atualidade, sobre uma mulher fora de seu tempo

21.01.2010, às 17H00.
Atualizada em 06.11.2016, ÀS 04H11

Nos últimos anos o diretor Stephen Frears tem se especializado em mulheres anacrônicas em histórias frequentemente trágicas - a defensora do teatro de Sra. Henderson Apresenta, os anos 1990 de Elizabeth II em A Rainha, e agora uma cortesã nos últimos anos da Belle Époque, em Chéri.

cheri

cheri

cheri

A presença de Michelle Pfeiffer em cena evoca imediatamente lembranças de outro filme de época que ela estrelou para Frears, Ligações Perigosas (1988), mas as preocupações do diretor hoje são outras. A personagem que ela interpreta em Chéri, Lea de Lonval, participa das rodas e das intrigas sociais, mas cada vez mais tem consciência de que seu tempo já passou.

Essa consciência aflora quando - contra todas as regras vigentes no mundo das acompanhantes amorosas na Europa da virada do século - Lea se apaixona. Sob o pretexto de cuidar do filho de 19 anos de outra cortesã (Kathy Bates), o lânguido Chéri (Rupert Friend), Lea o leva para passar um tempo no campo. Ficam juntos por seis anos, o tempo de Chéri deixar a mocidade e bater na idade de arrumar uma esposa, necessariamente mais jovem que ele.

Não é o primeiro homem novo que Lea "pega pra criar" e larga pelo caminho, mas a despedida forçada de Chéri a abala - especialmente porque, embora experiente, Lea já não tem o mesmo vigor ou a mesma disposição dos primeiros anos de sua afamada profissão. Ela diz a Chéri que "um corpo sadio dura muito", mas em 1906 o fim daquela bela época significa também o fim da emperolada prostituta Lea.

Escrito em 1920 pela francesa Sidonie-Gabrielle Colette (1873-1954), o livro homônimo em que o filme se baseia já enxerga, pelo distanciamento dos anos, a Belle Époque de forma mais crítica. No filme, Frears consegue - por opções de figurino, desenho de produção, ângulos de câmera e enquadramento - mostrar a linha muito frágil que separa o glamour do ridículo na Belle Époque. Quando Lea e Chéri retornam do campo para Paris, os salões e os jardins parecem feios. A pompa e a noite passam a ser uma coisa asquerosa - e aí compreende-se porque Frears sempre coloca o platônico casal em cenas diurnas ou salas muito iluminadas.

Há no livro e no filme um senso de pureza - herdado da literatura do século 19 e do começo do 20 - que só se encontra na juventude. Oliver Twist e a Alice do País das Maravilhas são puros. Peter Pan e Dorian Gray ultrapassam os limites do real para conservar essa beleza pueril. Aqui, Lea se magoa porque ela não pode preservar a eterna mocidade de Chéri - e se perde Chéri ela envelhece também.

Se em Sra. Henderson Apresenta e A Rainha Frears já aproveitava histórias de outras eras para falar de males atuais - a banalização das imagens, essencialmente - não é diferente em Chéri. O plano final, ao espelho, um close-up doloroso no rosto de Michelle Pfeiffer - que presume-se ter passado por algumas plásticas, não muitas, mas o suficiente para inchar seus lábios e desnivelar seus olhos -, traz para a atualidade o sonho trágico da eterna juventude, uma utopia que deforma. A Belle Époque é hoje.

Saiba onde o filme está passando

Nota do Crítico
Ótimo