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Crítica

Crítica: 21 gramas

21 gramas

08.01.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H15

Duas coisas podem acontecer com um diretor estreante que filma fortemente, sem concessões. Ser engolido pela fama súbita e pela pretensão ou responder às expectativas com maturidade. Na primeira, é comum ver cineastas obcecados por imagens de impacto, mas gratuitas e vazias, num ciclo de tentativas de repetir o sucesso inicial. Na rara segunda opção, o diretor não perde o vigor, ganha mais sensibilidade com o tempo e ainda consegue surpreender a cada filme.

21 Gramas

21 Gramas

21 Gramas

A questão ganha contornos mais dramáticos no caso do mexicano Alejandro González Iñárritu. A sua estréia na direção, Amores brutos (Amores perros , 2000), estremece o mundo e ele logo ganha Hollywood. Aí começa o temor. De cara, o estrangeiro é escalado para participar da série de curtas sobre uma ferida nacional, o 11 de setembro. Só que Iñárritu pesa na dose. Mostra gritos reais dos mortos na catástrofe e cenas de suicidas nas janelas do incendiado WTC. Pior. Na escalação do seu primeiro longa nos Estados Unidos, já pintam nomes como Sean Penn e Benicio Del Toro, coisa séria mesmo. Responsabilidade em demasia.

Seria muito fácil, enfim, sucumbir à síndrome do segundo trabalho. Mas, felizmente, diante de 21 gramas (21 grams, 2003), já é possível dizer que Iñárritu se encaixa com grandes louvores na segunda hipótese, o pedestal dos sobreviventes.

Modo Charles Bronson de ser

21 gramas é o peso de um colibri, um beija-flor. Mas é também a quantidade de massa que uma pessoa perde no instante em que morre. Assim diz o matemático Paul (Penn), o narrador. E o contato com a morte é o que liga o personagem a outras duas pessoas: Jack (Del Toro) e Cristina (Naomi Watts). Cristão fervoroso, convertido depois de anos na prisão, pai de dois filhos, Jack acidentalmente atropela o marido e as duas meninas de Cristina. Paul é salvo ao ter transplantado o coração do marido morto. Mas ao descobrir as circunstâncias do acidente, se sente na responsabilidade de consolar Cristina. Ela pede, então, que a ajude na vingança.

Evidentemente, há pontos em comum com o filme mexicano: a narrativa fragmentada, a catástrofe-coincidência que coloca destinos em choque, a violência poética. Mas fica difícil dizer qual é melhor. Se Amores brutos trata visceralmente cada um dos seus vários temas, o trio de 21 gramas prima pelo desempenho inigualável, com destaque para o vigor de Naomi Watts e a intensidade de Del Toro.

Não chega a incomodar tanto a narrativa em off de Paul, revestida de uma certa pretensão pseudofilosófica. É dado esse desconto a Iñárritu, uma vez que o filme tem no enfoque atualíssimo a sua maior qualidade. Afinal, fermenta no seu miolo a discussão de um tema cada vez mais genuinamente norte-americano: a necessidade de vingança e a dificuldade em se ajustar à inevitabilidade da morte. Depois dos ataques terroristas e da conturbada invasão ao Iraque, obras como 21 gramas ou Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, de Clint Eastwood, 2003) abordam de forma crítica esse modo Charles Bronson de ser.

E o abordam muito bem. Iñárritu, por exemplo, resume toda a complexidade da questão a uma tomada de milésimos de segundo: quando Paul toma a atitude definitiva, drástica, diante de Cristina e Jack, no quarto do hotel. Olha, chega a arrepiar os cabelos pubianos, só de lembrar.

Nota do Crítico
Excelente!